|
Próximo Texto | Índice
PELO "SIM" NO REFERENDO
No próximo dia 23, os eleitores brasileiros serão convocados a responder à seguinte pergunta:
"O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?".
Esta Folha defende o voto "sim".
Chega a essa decisão, porém, sem
nenhum tipo de ilusão.
A proibição não será capaz de conter as ações ousadas de bandidos e
associações criminosas. Tampouco
restringirá o acesso desses grupos
aos armamentos -para tanto, o poder público teria de adotar medidas,
como o controle rigoroso das fronteiras, em áreas em que tem falhado.
A eventual vitória do "sim" mudará
pouco em relação às normas em vigência, dadas pelo Estatuto do Desarmamento. Quem tem arma legalizada em casa poderá mantê-la, mas
não conseguirá mais adquirir balas.
Já as pessoas que pelas regras atuais
podem ter porte -policiais, militares e agentes de segurança privada,
entre outros- manterão o direito de
andar armadas e comprar munição.
Nesse contexto, até a realização do
referendo pode ser questionada.
Com ele, o Estado gastará algo em
torno de R$ 250 milhões para decidir
o que o Congresso poderia ter feito
sozinho. Perdeu-se ainda a chance
de aproveitar a ocasião para levar outros temas a consulta popular.
Apesar das restrições que devem
ser feitas ao processo, as vantagens
da proibição superam os problemas
por ela acarretados. O principal benefício da proscrição está na possibilidade de reduzir alguns tipos específicos de homicídio -aqueles motivados por conflitos interpessoais ou
por causas fúteis-, bem como os
acidentes com armas de fogo.
Esse ganho seria importante. Na
Grande São Paulo, segundo dados
da Divisão de Homicídios e Proteção
à Pessoa, 60% dos assassinatos são
cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em
bares e outras situações em que o
destempero e os efeitos do álcool se
associam à existência de uma arma à
mão para produzir uma tragédia.
A esse respeito, a campanha do desarmamento, que recolheu mais de
meio milhão de armas, já produziu
importantes resultados. O Ministério da Saúde informa que os homicídios por armas de fogo caíram 8,2%
em 2004 em relação a 2003. Foram de
39.325 assassinatos em 2003 para
36.091 no ano seguinte. É a primeira
queda nesse indicador desde 1992.
Reforça a sugestão de que o desarmamento teve impacto na baixa dos
homicídios o fato de que, nos Estados em que a taxa de recolhimento
de armas foi alta (mais de 150 para
cada 100 mil habitantes), o recuo médio do índice de mortalidade foi de
14,5%. Nas unidades em que a coleta
foi baixa, a redução média foi de 2%.
A interpretação de que o veto às armas seria limitação abusiva do direito de autodefesa não procede. É atribuição do Estado definir regras para
o exercício de certas atividades e fixar
requisitos para a concessão de licenças. Se o referendo determinar que o
poder público deve restringir a comercialização, circunscrevendo-a às
categorias que fazem jus ao porte,
não haverá um atentado aos direitos
e às garantias fundamentais, apenas
mais uma regulamentação.
Aqueles que insistirem ter acesso a
armas e munição poderão ingressar
num clube de tiro, hipótese em que a
lei autoriza concessão de porte. De
modo análogo, quem vive em área
rural poderá declarar-se caçador e,
nesse caso, conservar espingardas de
calibre igual ou inferior a 16.
O argumento de que a limitação do
comércio gerará grande desemprego
tampouco parece razoável. Os grandes consumidores de armas e munições -Forças Armadas e polícias-
permanecerão os mesmos. A produção para exportação não será afetada.
O melhor é votar "sim" no referendo. Uma restrição mais forte às armas e às balas, sem contrariar direitos fundamentais, deve contribuir
para poupar mais algumas vidas, no
que a opção já terá valido a pena.
Próximo Texto: Editoriais: DÍVIDAS EXTERNAS Índice
|