São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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MARCOS NOBRE

Popularidade inútil

NÃO DEVE haver registro na história de um chefe de governo que desencadeie sua sucessão mal iniciado o mandato. Tudo o que um governo tenta evitar é essa antecipação da discussão sucessória. Mas o Brasil sempre surpreende.
Em entrevista coletiva, em maio, Lula disse que quer estar "afiado" para 2010 e que a base de apoio deveria ter um candidato "tirado em consenso". Contrariado pela decisão do PT por uma candidatura própria no início de setembro, reafirmou sua posição em jantar com deputados na semana passada. Mais que isso, Lula teria manifestado nessa ocasião o desejo de se licenciar para fazer a campanha de seu sucessor.
É bem esquisito, mas faz sentido. Lula está acuado. É um presidente com alta popularidade que lidera um governo sem oposição nem base de apoio consolidada.
As forças de oposição se mostraram incapazes de interferir de maneira significativa no processo político. Por causa da disputa interna pela indicação no PSDB, os principais candidatos oposicionistas, José Serra e Aécio Neves, não têm interesse em antecipar a discussão de 2010. Sem contar que dependem da liberação de verbas do governo federal para realizar governos que os credenciem à disputa pela Presidência. Não têm interesse em confrontar Lula neste momento.
O cenário partidário ficou extremamente instável depois da recente decisão sobre a fidelidade partidária. Da maneira como se deu, o súbito acesso de ativismo judicial do STF só fez jogar mais lenha na confusão atual.
A perversa combinação de escândalos em série e permanente chantagem dos integrantes da base de apoio é uma ameaça real aos principais projetos de Lula. A começar pela aprovação da CPMF e da DRU, sem as quais o segundo mandato será inexistente.
Antecipar 2010 foi a maneira que Lula encontrou para jogar sua popularidade contra a instabilidade e a extorsão a que está submetido. O problema é que foi ele mesmo que se colocou na posição de ser chantageado, pela maneira como montou seu governo e sua base de apoio.
O ponto fraco dos dois mandatos permanece o da ausência de uma articulação política eficiente. José Dirceu quase pôs a pique o primeiro governo. No segundo, Lula foi obrigado a assumir a tarefa. Mostrou que não tem talento para jogar nessa posição.
É uma situação tão inédita quanto preocupante. Lula lançou mão de sua popularidade como último recurso para tentar sair do impasse em que se encontra.
Mas colocar popularidade em jogo nessas circunstâncias e dessa maneira não é apenas um risco. É também inócuo. O impasse persiste.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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