|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Tempo dos infiéis
RIO DE JANEIRO - O editor Ênio
Silveira estava engraxando os sapatos numa dessas cadeiras altas que
mal comparando parecem o trono
de um soba nos confins da África.
Ele gostava de conversar com gente
do povo e perguntou se o engraxate
temia o comunismo, fantasma que
o governo de então considerava na
iminência de tomar conta do Brasil.
Lustrando o bico do sapato com
aquele pano molhado e na cadência
do "Tico-Tico no Fubá", o engraxate tranqüilizou o editor: "Pode deixar, doutor, se o comunismo vier,
nós avacalhamos ele".
Desconfio que já fizemos o mesmo com a democracia. Nem o STF
com sua decisão de instaurar a fidelidade partidária conseguirá elevar
nossas práticas políticas a um patamar lógico e decente. Impossível
cobrar fidelidade a tantos partidos
pulverizados em lugares comuns
ideológicos, criados e mantidos por
interesses exclusivamente eleitorais.
No Brasil, deve ser mínima a faixa
dos que votam num determinado
partido. Alguma coisa na base do
0,2% do eleitorado. O resto vota em
candidatos. São eles que empolgam
o cidadão que se identifica com um
Clodovil, um Gabeira, um Pedro Simon ou Jader Barbalho. De um partido inexistente, o finado Enéas teve mais votos do que Leonel Brizola, político histórico, numa disputa
presidencial.
Collor se elegeu na soma de pequenos partidos, Ulysses Guimarães, patriarca do maior partido nacional, o PMDB, ficou entre os últimos. Para eleger Senado e Câmara,
nenhum eleitor pensa nos programas partidários, que uns pelos outros pregam a mesma coisa.
Com dois partidos apenas, um
conservador, outro liberal, acredito
que os candidatos melhor se arrumariam no tabuleiro e, aí sim, a fidelidade partidária seria indispensável ao funcionamento da democracia.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Guerra na terra e no ar Próximo Texto: Marcos Nobre: Popularidade inútil Índice
|