São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A venda das ações do Banco do Brasil deveria ter sido postergada?

SIM

Venda inoportuna

RICARDO BERZOINI

O processo de venda, pelo Tesouro Nacional, de cerca de 17,5% das ações com direito a voto do Banco do Brasil pode ser questionado sob mais de um aspecto.
Em primeiro lugar, a venda não é um bom negócio. Todos temos acompanhado o comportamento das ações no mercado nacional. Ainda estamos num momento de baixa, provocado por crises sucessivas, internas e externas. Só agora as bolsas ensaiam uma alta, que, todos esperamos, seja sustentável.
Em particular, as ações do Banco do Brasil têm tido um histórico irregular. Não surtiram efeito as seguidas tentativas do governo e da direção do banco de garantir um crescimento estável e consistente das cotações do papel.
Essas tentativas remontam à capitalização do BB, em 1996, quando o Tesouro Nacional e a Previ, fundo de pensão dos funcionários do banco, aportaram mais de R$ 8 bilhões, numa tentativa de reequilibrar o balanço patrimonial após seguidos exercícios de prejuízo.
Naquela oportunidade, tanto o governo como a direção do banco fizeram promessas de que o respeito da instituição para com o mercado e os acionistas minoritários estaria garantido pelas mudanças estatutárias realizadas.
A criação do voto de qualidade para as principais decisões do Conselho de Administração do banco obrigaria o governo a conquistar o apoio de pelo menos um voto da iniciativa privada, detentora, juntamente com os funcionários, de três vagas no conselho. A medida daria maior poder aos acionistas não-governamentais.
O dia-a-dia da gestão do banco mostrou que os mecanismos não foram suficientes. O poder de mando do próprio banco na Previ minou o poder dos minoritários. Esse desmonte culminou com a extinção, em 2002, da representação dos funcionários. Hoje, o governo federal, por meio do Tesouro Nacional ou da Previ, indica todos os sete membros que compõem o Conselho de Administração do Banco do Brasil.
Diante disso, não é de estranhar que os agentes de mercado fiquem receosos da ação governamental sobre os negócios do Banco do Brasil. Eles perceberam que a transparência na gestão e o respeito aos acionistas não passaram de simples retórica do atual governo.
Por falar em transparência, a direção do BB deve uma prestação de contas sobre a apuração de diversas operações, seguramente irregulares, ocorridas nos últimos oito anos. Casos como a concessão de empréstimos irregulares e liberações de garantias da Encol, apurados em CPI, não mereceram do banco um tratamento rigoroso.
Operações com fundos administrados pela BBDTVM, que deram ao Banco do Brasil um prejuízo de mais de R$ 140 milhões na virada do dólar, em 1999, e operação irregular de venda de títulos públicos da tesouraria do banco para fundos administrados pela BBDTVM -que alterou o balanço em mais de R$ 600 milhões no segundo semestre de 2000, conforme denunciou a imprensa à época-, permanecem na obscuridade. As punições foram brandas. Não há notícia de nenhuma demissão.
O fato é que esse percurso torto das ações e dos atos de gestão construíram o vexame da chamada de capital de junho de 2001. Cinco anos depois da emissão dos bônus lançados quando da capitalização de 1996, apenas um número ínfimo de desinformados acionistas compareceu para exercer seu direito de subscrição.
A própria entrada no Novo Mercado da Bovespa, propósito divulgado pela direção e, por si só, elogiável, fica sob risco, a merecer uma análise mais profunda dos reguladores do Novo Mercado. Porém ainda mais grave é a oportunidade política do negócio.
Temos um novo presidente eleito. A nação já disse "não" à continuidade da gestão nos moldes de Fernando Henrique. O país avalizou as críticas de Lula ao atual governo e votou em um programa com outras prioridades, no qual os bancos públicos terão sua estratégia revista para se adequarem aos objetivos sociais do novo governo.
Sem deixar de ser competitivos e atuantes no mercado comercial bancário brasileiro, os bancos federais irão incorporar funções que podem ajudar o país a retomar o crescimento econômico, gerar emprego e renda e reduzir as desigualdades sociais.
Portanto falta legitimidade a essa ação governamental de colocar à venda um patrimônio de alguns bilhões de reais às vésperas de entregar o cargo ao novo presidente. Cabe ao presidente Fernando Henrique determinar a suspensão do processo de venda e confiar o futuro do Banco do Brasil e suas ações ao novo governo.


Ricardo Berzoini, 42, bancário, deputado federal pelo PT-SP, é vice-líder do partido na Câmara dos Deputados.


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