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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Nosso grande irmão

RIO DE JANEIRO - Volta e meia me pergunto se há mesmo necessidade de um presidente da República. Quando era criança, pensava que tudo dependia dele, o sol, a chuva, os feriados, as aulas, a comida que se comia, o sono que se dormia. Por falar em dormir, quem tomava conta da gente enquanto o presidente, como qualquer mortal, dormia?
Mais tarde descobri que não era bem assim. Nas sucessivas crises institucionais, que foram muitas, criava-se uma terra de ninguém, vazios de poder em que um juiz ou um deputado mais velho ocupava o poder até que as coisas se normalizassem. E o sol continuava a nascer, os bondes continuavam a andar pelas ruas, a vida era mais forte do que a nação, morria quem tinha de morrer, o resto continuava vivendo.
Fiquei pensando nisso quando soube que o nosso presidente, em andanças pela África, falou muito sobre a Aids, seus malefícios, a necessidade de sua prevenção, a urgência de resultados positivos no combate à doença que se alastrou pelo mundo, segundo alguns, vinda daquele continente, não se sabe bem se transmitida por homens ou macacos.
Nada contra qualquer cidadão bem-intencionado, inclusive um presidente da República, pedir atenção e recursos para combater a gripe, a catapora, o câncer, a Aids. Mas, enquanto o presidente andava por terras africanas, alertando os alertados sobre os perigos da doença, aqui no Brasil, os idosos com mais de 90 anos passaram pelo vexame de provar que continuam vivos, apesar das gripes, da catapora, do câncer, da Aids.
Ora, dirão, a máquina burocrática do Estado não depende do presidente, é impessoal, uma pessoa jurídica, uma espécie de Big Brother que funciona automaticamente. Produziu um espetáculo deprimente, injusto, altamente subdesenvolvido. Enquanto isso, o presidente aplaudia com merecido entusiasmo o seu ministro da Cultura cantando e dançando temas africanos.



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