São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A derrota da mentira no referendo

CHICO SANTA RITA

O grande desafio que enfrentamos na comunicação da campanha do "Não", no referendo, foi desfazer a imensa teia de mentiras que foi sendo cuidadosamente tecida desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, dois anos atrás.


Com a derrota, tenta-se outra mentira: teria sido um voto de protesto contra o governo Lula. Desculpa de perdedor


Nesse período, os profissionais da causa "desarmamentista" ocuparam sozinhos os espaços da mídia. Podiam, então, apregoar como grande vitória um recolhimento de armas que gerava belas imagens para a TV e para as primeiras páginas dos jornais.
Quem não se lembra de um poderoso trator triturando o que parecia ser um imenso arsenal? Não importava que a maior parte daquelas peças já fossem velhas, inutilizadas, sem uso. Também não era preciso explicar que o total recolhido, insignificantes 2% ou 3% do total de armas existentes no país, quase nada representava.
A mentira seguinte foi ainda maior: cantou-se em prosa e verso um desarmamento que pretendia ser o remédio genérico para todos os males causados pelo assustador crescimento do vírus da violência. O massacre na cabeça das pessoas era tão grande que o tema virou até vinheta de passagem na Rede Globo, com cartuns animando o plin-plin que abre e fecha os intervalos comerciais.
Quando foi anunciado o referendo, todos entendiam que iriam votar por um desarmamento geral e irrestrito, armas da criminalidade incluídas. Quem podia ser contra? As pesquisas batiam em 80%.
Com a chegada do horário eleitoral vieram novas pequenas mentiras -pesquisas distorcidas, informações deturpadas, números inconsistentes- que ajudaram a esgarçar, ainda mais, a já abalada credibilidade do "Sim". E não adiantou que muitas delas viessem avalizadas por artistas consagrados. É importante frisar que esses porta-vozes provavelmente nem sabiam do que estavam falando. Nenhum trouxe de casa o discurso pronto. Receberam dados incorretos e os transmitiram de boa-fé.
A tática fracassou, levando a uma troca no comando da comunicação. Mas o tiro saiu pela culatra (desculpem!), pois as mentiras continuaram. Apenas trocaram de mote: deixaram de ser festivas e passaram a ser agressivas. A nova equipe não conseguiu nem sequer estancar a sangria dos índices de intenção de voto nos patamares em que estavam. Veio a hemorragia final.
Do outro lado, assistíamos a tudo com boa dose de perplexidade, seguindo passo a passo uma estratégia traçada desde o início. Nossa primeira peça publicitária escancarou a mentira: "Desarmamento -seria bom se fosse verdade". Foi um susto! A população percebeu que vinha sendo ludibriada.
Em seguida, colocamos no ar uma idéia-força que atingiu corações e mentes em cheio: poder comprar, ou não, uma arma é um direito do cidadão. E o conceito foi sendo guarnecido com outros argumentos fortes:
- não é correto desarmar cidadãos de bem, deixando os bandidos armados;
- você pode não querer ter arma, mas há gente que delas precisa;
- a violência não está relacionada à quantidade de armas (na Suíça, um terço da população tem armas, mas a criminalidade é próxima de zero);
- por fim, já está em vigor um rigoroso Estatuto do Desarmamento.
Com a derrota acachapante, tenta-se, agora, pregar a derradeira mentira: teria sido um voto de protesto contra o governo Lula, contra os "mensaleiros", contra tudo o que está por aí.
Pura desculpa de perdedor. Acompanhamos toda a evolução do pensamento e da vontade popular por meio de pesquisas qualitativas competentes feitas pelo Ibope. Foram grupos de discussão diários que nos transmitiram um panorama real da mudança em marcha. Com uma semana, já dava para antever a virada inevitável. Pela conscientização, não por protesto.
No final, um ou outro desiludido de plantão pode ter juntado sua voz ao grito coletivo de "Não!". O que a grande maioria realmente disse foi: "Nós temos direitos e eles têm que ser respeitados. Não brinquem conosco!".
É mais uma lição que o povo brasileiro dá e que precisa ser entendida corretamente. Uma lição de verdade!

Francisco José de Santa Rita Behr, 66, jornalista, consultor em marketing político e autor do livro "Batalhas Eleitorais", foi o coordenador da comunicação da campanha do "Não" no referendo. Participou da campanha eleitoral de Fernando Collor à Presidência da República, entre outras.


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