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RUY CASTRO
A nova língua
RIO DE JANEIRO - Quando você
pensa que, de tanto ler os clássicos,
de Machado de Assis a João do Rio e
a Rubem Braga, já adquiriu domínio suficiente da língua para dormir
tranquilo, a mídia o atropela com
novidades. Como na primeira vez
que li que Fulano estava correndo
"risco de morte". Pensei que tivesse
lido errado.
Ninguém mais corre risco de vida, só de morte. Ou seja, não é mais
a vida que está em perigo. Suponha
que alguém resolva atravessar uma
avenida com o sinal fechado, zanzando entre os carros. Até outro dia
esse gesto poria sua vida em risco.
Não mais. Hoje, segundo a nova língua -adotada por jornais, rádios,
TVs, internet e o locutor da pamonha-, o sujeito corre risco de morte. Quer dizer: está ameaçado de
não morrer nunca, mesmo que os
carros lhe passem por cima.
Outra praga: a palavra "pontual".
Era usada para descrever uma pessoa ou fato que chegava ou acontecia na hora marcada. Agora significa algo isolado, específico: "A falta
de remédio no hospital xis é pontual". Um amigo me perguntou:
"Quer dizer que a falta de remédio
chegou na hora certa?".
E tenho urticárias no avião quando a aeromoça anuncia: "Para informações adicionais, procure nosso
pessoal de terra". Ela quer dizer
"para mais informações". E não
consigo conter o riso ao ouvir: "Fulaninha me adicionou como sua
amiga no orkut". Note bem, adicionar não está errado -é latim para
somar. Mas, da maneira como a turma o usa, é internetês castiço, traduzido diretamente do burrês.
O bom do ridículo é que ele não se
enxerga. Um filme de 1929, "A Megera Domada", com Mary Pickford,
baseado em Shakespeare, foi lançado em duas versões: muda e falada.
Nesta última, era preciso dar um
crédito na tela para as falas. O produtor sapecou: "Diálogos adicionais
por William Shakespeare".
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