São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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CLAUDIA ANTUNES

Vozes anticaos

O GOVERNO israelense trata de enquadrar as críticas à ofensiva em Gaza na lógica totalizante da "guerra ao terror".
Se alguém condena a investida, chama atenção para os mortos palestinos e teme suas consequências, é acusado de relativismo, de apoiar o grupo islâmico Hamas.
Como aos fundamentalistas do outro lado, interessa aos extremistas em Israel substituir o conflito nacional com os palestinos por luta religiosa. Funciona como profecia autocumprida, que não oferece saída política, só batalha de vida ou morte. E, nesse caso, não interessa mesmo o custo em vidas inimigas.
Por essa lógica, depois de reduzir Gaza a pó, chegará a hora de obliterar o Irã, enquanto os EUA prosseguem a função de queimar os confins afegãos (onde, aliás, são milhares os mortos civis em ataques da aviação da Otan contra o grupo fundamentalista Taleban).
Logo a União Europeia virá para reconstruir as mesmas instituições que financiou e agora são destroços em Gaza (ministérios, Parlamento). E, antes que os palestinos tenham a oportunidade de voltar-se contra o Hamas -o argumento estratégico dos defensores da guerra-, outro conflito virá.
"A questão que deve ser respondida não é "Quem está certo?", mas "Como mais esta rodada de batalhas vai melhorar a situação geral?" Nesse ponto, Israel não tem um argumento convincente", escreveu Gideon Lichfield, correspondente em Jerusalém da "Economist".
Como Lichfield, outras dezenas de pessoas com posição indubitável em favor do Estado de Israel questionam a guerra, e suas vozes, que têm espaço reduzido na mídia israelense (ontem o editor do jornal "Maariv" se desculpou por um colunista ter acusado o Exército de crimes de guerra), merecem ser ouvidas. Eis uma pequena mostra: Roger Cohen, colunista do "New York Times": "Nunca me senti tão deprimido em relação a Israel, tão envergonhado por suas ações, tão desesperado por algum acordo de paz que pudesse pôr fim ao domínio dos mortos em favor de uma oportunidade para os vivos".
Bernard Avishai e Sam Bahour, escritor israelense e empresário palestino: "Não há solução militar para este conflito. Até que os dois lados se deem conta disso, o mundo só pode esperar violência e vingança, com civis dos dois lados pagando o preço por líderes que -por pressão, ambição ou orgulho- sentem que devem infligir o dano maior, disparar o último tiro ou fazer a ameaça mais crível".
Gideon Levy, jornalista do "Haaretz": "Qualquer um que justifica esta guerra também justifica todos os seus crimes. Qualquer um que a vê como uma guerra defensiva deve assumir a responsabilidade moral por isso. Qualquer um que encoraja políticos e o Exército a continuarem também terá que portar a marca de Caim que será impressa em sua testa. Os que apoiam a guerra também apoiam o horror".


CLAUDIA ANTUNES é editora de Mundo.


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