São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Debate econômico no país e seus fantasmas

ALEXANDRE DE FREITAS BARBOSA


Não dispomos de estratégia de desenvolvimento no longo prazo capaz de enfrentar os dilemas da competitividade e das desigualdades sociais

Nos últimos 25 anos, o Brasil perdeu a capacidade de pensar a sua dinâmica econômica, os seus constrangimentos estruturais e o seu potencial de desenvolvimento. O valioso legado que nos deixaram nossos maiores pensadores econômicos, Celso Furtado e Ignacio Rangel, ficou soterrado.
É certo que, na década de 2000, a economia brasileira voltou a crescer, contando para tanto com as duas desvalorizações cambiais de 1999 e 2002, a baixa dos juros pós-2005, o vigor da economia internacional, a capacidade de alavancar o crédito e a renda dos de baixo e a recuperação do investimento das empresas estatais.
Contudo, não dispomos de uma estratégia de desenvolvimento no longo prazo, capaz de enfrentar os dilemas da competitividade externa e das enormes desigualdades sociais. Parte do problema está na escassa capacidade analítica de nossos economistas de plantão. Apesar de disporem de todos os dados necessários, atiram nos alvos errados.
De um lado, estão os neoliberais clamando pelo eterno ajuste fiscal.
Não custa lembrar que a sua tentativa de instaurar um novo modelo de desenvolvimento revelou-se um rotundo fracasso. Os 50 anos de industrialização puderam mais do que dez anos de pirotecnias pseudomercadistas.
Já a nossa esquerda econômica segue obcecada por dois fantasmas: financeirização e desindustrialização. O primeiro grupo de economistas compra o discurso dos regulacionistas europeus e o aplica sem as devidas mediações ao caso brasileiro. Apesar de captar parcela do que ocorreu nos anos 90, essa vertente se mostra impossibilitada de compreender o governo Lula.
Vê a financeirização aninhada no topo do sistema econômico, mas não percebe vigorosa financeirização por baixo, junto com a incorporação via mercado de trabalho.
O segundo grupo mira apenas no câmbio se apreciando e na indústria de transformação perdendo peso no PIB; por meio de apressada correlação, passa a entoar a ladainha da desindustrialização.
É fato que a política cambial encontra-se fora de prumo e que segmentos da indústria brasileira têm se transformado em meros montadores. Mas será que um país que gera 2,5 milhões de empregos industriais em cinco anos, amplia os investimentos no setor e bate todos os recordes na produção de automóveis se desindustrializa?
O que parece ausente do debate é uma perspectiva histórica sobre o desenvolvimento da indústria brasileira, que sofreu um congelamento nos anos 80 e depois uma forte pressão competitiva nos anos 90, quando uma nova onda tecnológica surfava lá fora.
Essa indústria resistiu e se reconfigurou, inicialmente de maneira defensiva, para dar novo impulso ao crescimento no período presente, com o aval do BNDES, ainda que gerando menos valor no mercado interno e se expandindo nas etapas pouco intensivas em tecnologia das cadeias produtivas.
Se quisermos aproveitar o potencial da indústria e do nosso sistema econômico num cenário global marcado pela ascensão chinesa, precisamos jogar fora os fantasmas do eterno ajuste fiscal, da financeirização e da desindustrialização.
E destrinchar a nova dinâmica de economia historicamente dependente e profundamente heterogênea, que começa a se acomodar a um novo cenário de expansão econômica, não isento de desequilíbrios estruturais expressivos.
O debate em torno das políticas de juros, câmbio e fiscal do governo Dilma Rousseff tende a girar em falso se não partirmos desse panorama mais amplo.

ALEXANDRE DE FREITAS BARBOSA, doutor em economia aplicada pela Unicamp, é professor de história econômica do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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