São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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Um novo aprendizado



Como foi possível aprovar uma reforma que, ao ser lançada, teve seu fracasso previsto por quase todos?
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

Quando o presidente me convidou para ser ministro da Ciência e Tecnologia, disse entender que o mais importante a ser feito no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado estava feito. Talvez ele tenha razão.
A reforma institucional foi aprovada. Minha passagem pelo Mare foi a melhor experiência de governo em minha vida. Em quatro anos, formulei um plano geral (o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado), propondo a reforma gerencial da administração pública; com base nos princípios ali definidos, foi aprovada quase na íntegra a respectiva emenda constitucional. Vi as novas idéias serem adotadas pela opinião pública e, mais importante, pela alta administração pública brasileira.
Agora surge um desafio maior: implementar a reforma. Os primeiros passos já foram dados; a estratégia gerencial da administração pela qualidade está sendo adotada por um número crescente de organizações do governo. Mas há muito a fazer. A fusão do Mare com o Ministério do Planejamento, para que Orçamento e reforma se juntem, dará certamente impulso à mudança.
Entretanto, ouço uma pergunta com frequência: como foi possível aprovar a reforma administrativa? Como se pôde mudar a administração pública brasileira, fazendo-a transitar do paradigma burocrático para o gerencial? Como foi possível aprovar uma reforma que, ao ser lançada, teve seu fracasso previsto por quase todos? Há muitas explicações possíveis, mas prefiro as que seguem.
A existência de uma demanda reprimida pela reforma ficou evidente depois que a tempestade causada pela proposta inicial se acalmou. O retrocesso burocrático representado pela Carta de 1988 elevou os custos e baixou a qualidade dos serviços públicos. Uma burocracia em crise (porque o Estado a que servia estava em crise, sem um projeto nacional) foi dominada por interesses menores e acabou vítima e/ou beneficiária de um processo generalizado de captura do Estado e criação de privilégios. A sociedade percebia isso vagamente e pedia mudanças.
Segundo, o design da reforma atendeu à demanda existente. A proposta de substituir a administração burocrática pela gerencial, quando devidamente explicada, apareceu para muitos como um ovo de Colombo. O modelo teórico do plano foi recebido, em geral, com entusiasmo. A emenda da reforma, ao recusar a estratégia óbvia (mas equivocada) da desconstitucionalização e ao explicitar as mudanças desejadas, evitou que ocorresse o que aconteceu com a reforma da Previdência: os parlamentares entenderam que o governo lhes pedia um cheque em branco e decidiram preenchê-lo com tudo o que o governo não queria.
Terceiro, em torno da reforma travou-se um debate nacional, no qual a imprensa teve papel fundamental. Eu e minha equipe percorremos o país inteiro, num trabalho intenso de comunicação e persuasão. A discussão, porém, tinha duas vias: vários dos dispositivos da emenda e do Plano Diretor emergiram dele, que começou cheio de equívocos e preconceitos, mas terminou bem, com o apoio da opinião pública.
Quarto, houve alianças estratégicas. Fundamental foi o apoio de prefeitos e governadores, que sentiam na carne a dificuldade de governar um Executivo emperrado por normas burocráticas do século passado. Esse apoio, no caso de governadores e secretários da Administração, tornou-se cooperação estreita. Quando se tratou de escrever a reforma, os secretários vieram a Brasília ajudar na redação. Quando se tratou de aprová-la no Congresso, eles e os governadores estiveram presentes.
Essencial também foi a aliança com a alta administração pública. Seu apoio era importante não só devido à sua influência, mas por sua responsabilidade na implementação da reforma. E ele foi obtido. Sempre deixei claro o papel fundamental que membros das carreiras de Estado desempenham em seu núcleo estratégico. E verifiquei que, ao contrário do que ocorria com os servidores operacionais, seus salários estavam frequentemente abaixo dos de mercado; assim, logrei diversos reajustes para eles. Também traduzi a prioridade que dava a seu trabalho pela adoção de uma política inédita: realização regular, anual, de concursos públicos para todas as carreiras de Estado, com previsão para os próximos três anos.
Finalmente, adotei duas atitudes-chaves na atividade política de reformar o Estado: jamais desistir, fossem quais fossem as dificuldades, já que tínhamos um bom projeto; e estar disposto a fazer compromissos, mas sem perder a noção do objetivo geral.
Hoje, tenho uma nova e desafiante tarefa: promover a ciência e a tecnologia no país. Nada mais importante e difícil. Fui secretário da Ciência e Tecnologia de São Paulo por um curto período; tenho, portanto, noções do que precisa ser feito. São necessários mais recursos; o dinheiro escasso deve ser aplicado com critério e transparência; a excelência científica e a competitividade tecnológica internacional são os dois critérios básicos a orientar o trabalho; a formulação de políticas deve ser separada do fomento, e este, da pesquisa.
Mas essas são só as primeiras idéias. Terei muito a aprender antes de poder fazer uma proposta consistente, nas linhas que o presidente já esboçou quando me convidou. Meus professores serão cientistas e tecnólogos; meu norte, o interesse nacional, que muitos esquecem, mas é central quando se pensa em ciência e tecnologia no Brasil.


Luiz Carlos Bresser Pereira, 64, é ministro da Ciência e Tecnologia e professor titular de economia da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado (governo Fernando Henrique) e da Fazenda (governo Sarney).





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