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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correto aumentar a parcela do Fundo Partidário destinada aos partidos nanicos?
NÃO
Partidos, seitas, legendas de aluguel
FÁBIO WANDERLEY REIS
ALGUM TEMPO atrás, o TSE tirou do chapéu a decisão sobre
a "verticalização", amarrando
as candidaturas nos diversos níveis
federativos, em interpretação que
tornava inaceitavelmente rígido o
sentido do "caráter nacional" atribuído pela Constituição aos partidos.
Mas, com a decisão de agora sobre a
distribuição dos recursos do Fundo
Partidário, na esteira do impedimento imposto pelo STF à cláusula de
barreira, os partidos, na visão do TSE,
não só não precisam ser nacionais:
eles não precisam sequer ter votos.
A meu ver, o que a Justiça vem fazendo redunda, sim, em atividade legislativa imprópria e inconsistente.
De todo modo, temos mais um episódio da confusa discussão nacional sobre a natureza dos partidos políticos e
suas relações com a operação da democracia. Creio que o pano de fundo
mais importante é o apego difuso ao
modelo da "política ideológica", em
que o ideal consistiria em ter representados os pontos variados de uma
escala direita-esquerda, ao longo da
qual partidos e eleitores se distribuiriam "apropriadamente". O modelo
(que não corresponde, na verdade, senão à experiência mais ou menos fugaz de alguns países) se contrapõe ao
empenho de constituir maioria e à
busca de eficácia que a inserção no jogo eleitoral induz.
Naturalmente, as ligações da decisão do TSE com o modelo em sua forma estilizada são remotas. Mas julgo
serem evidentes as ligações com uma
expressão menos remota dos supostos básicos nele envolvidos, ou seja, a
preocupação exclusiva ou excessiva
com que os partidos políticos cumpram a função de vocalizar ou fazer
presente no âmbito político-institucional cada foco particular de interesse ou identidade que se possa distinguir, o que é visto em termos de representatividade democrática. A decisão
do TSE não teria como pretender justificar-se se não envolvesse a suposição de que o tratamento igualitário a
todos os partidos formalmente constituídos atenderia a esse desiderato
democrático de representatividade.
Mas a literatura de ciência política
sobre os partidos há muito distingue
-e ressalta a necessidade de equilíbrio- entre a função de vocalização e
"representação" mais estrita dos interesses e identidades e a de somar ou
agregar interesses diferenciados (e
mesmo identidades várias, com a
conseqüência fatal de diluí-las em alguma medida), dando-lhes, assim,
condições de participação eficiente
nas disputas eleitorais e de acesso às
decisões de governo. Isso se ramifica,
entre outras coisas, no contraste entre sistemas majoritários e proporcionais de representação. Se há vantagens e inconvenientes de parte a
parte que reforçam a recomendação
da busca de equilíbrio, cabe ponderar
que o reclamo de proporcionalidade
supõe, para fazer sentido, que os partidos proporcionalmente representados sejam partidos autênticos, e não
meras "legendas de aluguel". A decisão do TSE, ao contrário, favorece,
em seu formalismo míope, justamente a proliferação de legendas que nada
significam.
Mas há paradoxos insanáveis no
apego, em geral, à representação sem
distorção de identidades e interesses
dados. Por que não representar as
"tendências" ou alas dentro de cada
partido, serão elas sempre menos
"autênticas"? No limite, por que não
representar cada cidadão ou cidadã, o
que acaba por comprometer de vez a
própria idéia de representação? É ótimo, sem dúvida, que possamos ter
uma sociedade civil rica e diversificada, em que movimentos sociais variados e múltiplas iniciativas autônomas
possam manifestar-se de forma organizada e trazer à cena pública seus objetivos próprios e opiniões sobre
questões de qualquer natureza. Mas
um partido político que não some ou
agregue simplesmente não é um partido, ainda que talvez seja uma entidade "fisiologicamente" eficaz ou,
quem sabe, uma seita coesa e apta a
outros jogos que não o eleitoral. E,
mesmo do ponto de vista do ideal democrático, é difícil sustentar que a
proliferação de partidinhos inviáveis
(ou pior...) seja preferível a partidos
de porte adequado que possam eventualmente canalizar e processar no
governo as aspirações populares.
FÁBIO WANDERLEY REIS, 69, cientista político, doutor
pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
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