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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correto aumentar a parcela do Fundo Partidário destinada aos partidos nanicos?
SIM
A sobrevivência da representação partidária
FABIANO SANTOS
A
RECENTE decisão do TSE de
rever o critério de distribuição
do Fundo Partidário pelas diversas agremiações deve ser discutida
a partir de duas dimensões centrais: a
procedimental e a substantiva.
No que concerne à primeira perspectiva, têm razão os partidos em seu
protesto ante a nova metodologia,
pois se trata de mais um lamentável
exemplo da prática adotada pelo tribunal, desde o esdrúxulo episódio da
verticalização em 2002, de intervenção no sistema partidário, com profundas conseqüências sobre as condições gerais de competição eleitoral.
O TSE é uma conquista democrática cujo objetivo sempre foi garantir a
lisura do pleito e a verdade eleitoral.
Mas a prática de legislar sobre as condições de competição entre os partidos não pode ter outro nome -trata-se de usurpação e, como tal, não contribui para aperfeiçoar a democracia
e muito menos para fortalecer nossas
instituições. Pelo contrário, contribui
para a incerteza jurídica que agora vige em nossa vida partidária.
Não obstante, é perfeitamente possível aproveitar a ocasião e debater a
outra questão de fundo -o papel dos
pequenos partidos na democracia
brasileira. A nova regulamentação do
Fundo Partidário redefine o modo
pelo qual os recursos orçamentários
são distribuídos aos partidos, aumentando substancialmente a parcela
destinada às pequenas agremiações.
Contra a decisão, pelo menos dois
importantes argumentos são lembrados: o de que, em sua maioria, tais
partidos não passariam de legendas
de aluguel; e o de que partidos sem representatividade teriam acesso a recursos a princípio destinados a agremiações de fato representativas.
O primeiro argumento contém um
vício de origem, a generalização. O fato de haver indícios de mau comportamento entre indivíduos de uma população não autoriza ninguém a tomar providências para aniquilar a população inteira. Ademais, não há evidências de que as pequenas agremiações tenham o monopólio dos vícios e
desvios éticos observados na política.
O segundo argumento é mais desafiador -como justificar a distribuição
de verbas públicas substanciais a partidos sem representação nem o mínimo de força eleitoral? Temos aqui um
problema metodológico e outro de
natureza institucional.
Do ponto de vista metodológico, é
precipitado dizer que os partidos nanicos carecem de representatividade
-o fato de um partido não ter representantes no nível federal não pode
levar à conclusão de que ele não possui força estadual e/ou municipal. É
necessário fazer um levantamento do
desempenho dos partidos nas disputas locais antes de concluir pela pura e
simples falta de representatividade
das pequenas legendas.
Tal contraponto conduz ao problema institucional. Ora, o Brasil é uma
Federação com 27 Estados e algo em
torno de 5.000 municípios. A preocupação com questões nacionais não
pode nos cegar para uma verdade crucial -a democracia partidária também se exerce nos âmbitos estadual e
municipal. Partidos pequenos nacionalmente podem não sê-lo em determinados Estados e municípios.
Um último ponto importante diz
respeito ao monopólio concedido pela Constituição aos partidos para o
exercício da representação.
Em um país federativo pleno de
conflitos e clivagens de toda ordem, é
muito provável que os partidos nacionais não tenham condições de dar
conta de todas as questões regionais e
locais objeto de disputa política. Para
que tais questões possam ter expressão eleitoral, reza a Constituição, seus
intérpretes devem se organizar em
partidos, sob pena de não concorrer.
Ora, para um partido existir, determinadas condições organizacionais
devem ser cumpridas, o que implica
dispêndio de recursos e esforços. Se
queremos o monopólio da representação pelos partidos e se somos uma
Federação com diversas realidades,
teremos de conviver para sempre
com os pequenos partidos, pois tais
agremiações cumprem papel fundamental no processo democrático.
Sendo assim, nada mais justo que eles
contem com o mesmo investimento
dedicado aos grandes partidos.
FABIANO GUILHERME MENDES DOS SANTOS, 42, doutor em ciência política, é professor titular e pesquisador
da Iuperj. É autor, entre outras obras, de "O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão" (UFMG/Iuperj).
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