São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É correto aumentar a parcela do Fundo Partidário destinada aos partidos nanicos?

SIM

A sobrevivência da representação partidária

FABIANO SANTOS

A RECENTE decisão do TSE de rever o critério de distribuição do Fundo Partidário pelas diversas agremiações deve ser discutida a partir de duas dimensões centrais: a procedimental e a substantiva. No que concerne à primeira perspectiva, têm razão os partidos em seu protesto ante a nova metodologia, pois se trata de mais um lamentável exemplo da prática adotada pelo tribunal, desde o esdrúxulo episódio da verticalização em 2002, de intervenção no sistema partidário, com profundas conseqüências sobre as condições gerais de competição eleitoral. O TSE é uma conquista democrática cujo objetivo sempre foi garantir a lisura do pleito e a verdade eleitoral.
Mas a prática de legislar sobre as condições de competição entre os partidos não pode ter outro nome -trata-se de usurpação e, como tal, não contribui para aperfeiçoar a democracia e muito menos para fortalecer nossas instituições. Pelo contrário, contribui para a incerteza jurídica que agora vige em nossa vida partidária. Não obstante, é perfeitamente possível aproveitar a ocasião e debater a outra questão de fundo -o papel dos pequenos partidos na democracia brasileira. A nova regulamentação do Fundo Partidário redefine o modo pelo qual os recursos orçamentários são distribuídos aos partidos, aumentando substancialmente a parcela destinada às pequenas agremiações.
Contra a decisão, pelo menos dois importantes argumentos são lembrados: o de que, em sua maioria, tais partidos não passariam de legendas de aluguel; e o de que partidos sem representatividade teriam acesso a recursos a princípio destinados a agremiações de fato representativas. O primeiro argumento contém um vício de origem, a generalização. O fato de haver indícios de mau comportamento entre indivíduos de uma população não autoriza ninguém a tomar providências para aniquilar a população inteira. Ademais, não há evidências de que as pequenas agremiações tenham o monopólio dos vícios e desvios éticos observados na política. O segundo argumento é mais desafiador -como justificar a distribuição de verbas públicas substanciais a partidos sem representação nem o mínimo de força eleitoral? Temos aqui um problema metodológico e outro de natureza institucional.
Do ponto de vista metodológico, é precipitado dizer que os partidos nanicos carecem de representatividade -o fato de um partido não ter representantes no nível federal não pode levar à conclusão de que ele não possui força estadual e/ou municipal. É necessário fazer um levantamento do desempenho dos partidos nas disputas locais antes de concluir pela pura e simples falta de representatividade das pequenas legendas. Tal contraponto conduz ao problema institucional. Ora, o Brasil é uma Federação com 27 Estados e algo em torno de 5.000 municípios. A preocupação com questões nacionais não pode nos cegar para uma verdade crucial -a democracia partidária também se exerce nos âmbitos estadual e municipal. Partidos pequenos nacionalmente podem não sê-lo em determinados Estados e municípios. Um último ponto importante diz respeito ao monopólio concedido pela Constituição aos partidos para o exercício da representação.
Em um país federativo pleno de conflitos e clivagens de toda ordem, é muito provável que os partidos nacionais não tenham condições de dar conta de todas as questões regionais e locais objeto de disputa política. Para que tais questões possam ter expressão eleitoral, reza a Constituição, seus intérpretes devem se organizar em partidos, sob pena de não concorrer. Ora, para um partido existir, determinadas condições organizacionais devem ser cumpridas, o que implica dispêndio de recursos e esforços. Se queremos o monopólio da representação pelos partidos e se somos uma Federação com diversas realidades, teremos de conviver para sempre com os pequenos partidos, pois tais agremiações cumprem papel fundamental no processo democrático. Sendo assim, nada mais justo que eles contem com o mesmo investimento dedicado aos grandes partidos.


FABIANO GUILHERME MENDES DOS SANTOS, 42, doutor em ciência política, é professor titular e pesquisador da Iuperj. É autor, entre outras obras, de "O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão" (UFMG/Iuperj).


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