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RUY CASTRO
Ao alcance da nossa gratidão
RIO DE JANEIRO - Em 1808, o
príncipe regente d. João chegou ao
Rio com sua corte. Mudou a nossa
história e passou a maior parte dos
200 anos seguintes sendo chamado
de gordo, feio, porco, devorador de
frangos, fraco, indeciso, ocioso e,
como se não bastasse, corno. Bela
maneira de agradecer ao homem
que nos inventou como nação, ao
transferir para cá a coroa, o trono e
a estrutura administrativa da metrópole -e nos fazer metrópole.
Por que d. João -ou rei d. João
6º, a partir de 1816, quando sua mãe,
a rainha d. Maria 1ª, morreu- foi
tão maltratado por nossos historiadores? Porque, durante o século 19,
a proximidade dos fatos não permitia uma perspectiva adequada.
Além disso, a historiografia brasileira era quase uma extensão da
portuguesa, e os historiadores lusos
nunca perdoaram d. João por ter
"fugido" para o Brasil.
De 1889 em diante, com a República, tudo que viesse da Monarquia
tinha de ser diminuído, e cristalizou-se uma imagem negativa de d.
João. A exceção foi Oliveira Lima,
com seu definitivo "D. João 6º no
Brasil", de 1909. Não por acaso, ele
era malvisto como "monarquista".
A principal fonte dos ataques a d.
João foi "A Corte de d. João no Rio
de Janeiro", do popularíssimo Luiz
Edmundo, publicado em 1937
-poucos exerceram a lusofobia
com tal maestria da língua portuguesa. Edmundo leva 656 páginas
descrevendo um d. João ridículo,
repulsivo, flatulento e, no máximo,
digno de dó. Pois foi essa a imagem
que ficou e que, há tempos, se levou
levianamente para o cinema. Por
Edmundo, o Rio e o Brasil seriam
franceses.
Mas isso pode mudar. O material
produzido nos últimos meses pelos
200 anos da chegada da corte já tem
uma vantagem: a de trazer d. João
para uma perspectiva mais justa e
verdadeira, ao alcance da nossa gratidão.
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