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CLÓVIS ROSSI
Vitórias e vítimas
WASHINGTON - Christopher Dickey, especialista em Oriente Médio da revista "Newsweek", descreve assim a guerra prestes a terminar:
"Os americanos viram vitórias; os árabes (e boa parte dos europeus) viram vítimas".
Nos Estados Unidos, o passeio triunfal (sangrento, mas passeio e
triunfal) de suas tropas por Bagdá era mostrado e narrado com o mesmo imenso deleite com que, imagino, foi descrita a vitória na Segunda
Guerra Mundial.
Primeiro, porque os americanos foram educados para acreditar que
Saddam Hussein e Adolf Hitler tinham máquinas militares de poder
equivalente. Saddam até pode ser um
Hitler de arrabalde, mas seu Exército
nem remotamente se parece (jamais
se pareceu) com a Wehrmacht.
Segundo, porque o sangue alheio é
incômodo marginal para os americanos. Tanto que, ao ser consultado sobre as mortes de jornalistas (ocidentais ou que trabalham para organizações do Ocidente) em Bagdá, a porta-voz do Pentágono saiu-se com
uma frase entre cínica e óbvia: "Bagdá é um lugar perigoso".
Em contrapartida, os árabes e/ou
muçulmanos foram poupados das
cenas da vitória americana ao menos
nos países em que a TV é basicamente estatal.
No Irã, por exemplo, mesmo tendo
enfrentado o horror da guerra contra
o mesmo Saddam Hussein, a TV, até
o meio da tarde de ontem, não havia
mostrado a festa pela queda da estátua do ditador iraquiano em Bagdá.
Idem na Síria.
No Egito, conforme o relato da BBC
britânica, um advogado islâmico disse que "só ladrões e saqueadores estavam celebrando".
Na Espanha, cujo governo apoia irrestritamente a guerra, os jornalistas
negaram-se ontem a cobrir evento
com o primeiro-ministro José María
Aznar em protesto contra a morte de
dois dos seus companheiros.
Tudo somado, a globalização pode
ter tornado o mundo muito mais integrado. Mas a leitura que dele se faz
é muito mais fraturada, entre vencedores e vítimas.
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