São Paulo, terça-feira, 10 de abril de 2007

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Os aparelhos e o ar

LUTAM NO país duas idéias a respeito das condições macroeconômicas de novo modelo de crescimento econômico. Uma dessas idéias conta com cada vez menos aderentes; só a abraçam com entusiasmo os beneficiários do rentismo financeiro. Outros continuam a render-lhe homenagens apenas por não ver com clareza a alternativa ou por temer os riscos da travessia. A idéia contrastante é o objeto obscuro do desejo nacional. Seu problema é que ainda não conseguiu expressar-se em estratégia clara. Envolta em brumas, acaba parecendo mais difícil e arriscada do que de fato é.
De acordo com a primeira idéia, que continua a reinar por causa do interesse de alguns e da desorientação de muitos, o câmbio valorizado seria conseqüência natural de nosso próprio êxito, bem como do juro alto. E o juro alto seria efeito inescapável de um passado de irresponsabilidade e de um presente de desconfiança nas finanças públicas. Desconfiança provocada por inveterado malogro na contenção do gasto público. O resultado, porém, não seria de todo ruim. Para sobreviver no ambiente hostil, dizem, precisam as empresas tornar-se mais eficientes. Falta oxigênio. Têm de aumentar capacidade pulmonar. Para as mais ofegantes, permite-se o uso de aparelhos (desonerações tributárias pontuais).
Errado. Sobrepõe os interesses de grandes empresas estabelecidas, que se podem socorrer de financiamento próprio ou internacional, aos interesses dos empreendimentos emergentes, que representam a força maior de nossa economia. E desconsidera a tarefa prioritária da política industrial. Não é escolher os setores que devam prosperar. É contrabalançar, de um modo que respeite o imperativo da concorrência e que ajude a provocar o fervor de empreender, as inibições características do subdesenvolvimento.
Aí está o ponto de partida da outra idéia. Usar os poderes e os recursos do Estado não para dirigir ou suprimir os mercados, mas para tomar iniciativas que dêem a mais gente mais acesso a mais mercados de mais maneiras. E combinar o incentivo ao espírito empreendedor com aquilo que o populismo e o estatismo econômicos costumam suprimir: o aguçamento da concorrência. À fecundidade empreendedora deve seguir-se o mecanismo seletivo da competição. Essa seqüência é a fórmula do êxito.
Nada disso providencia solução fácil para os problemas conjugados do juro e do câmbio. Reforça, porém, as razões de nossa inconformidade. Comodismo fatalista, nesse campo como em outros, será ruinoso para o Brasil. Tragam o oxigênio, não nos aparelhos, mas no ar.


www.robertounger.net

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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