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CLÓVIS ROSSI
Chega de lendas, vamos aos fatos
SÃO PAULO - É inacreditável a capacidade que o Brasil tem de engolir, digerir e cultivar lendas. Uma
das mais persistentes é a lenda da
queda da desigualdade, que agora
reaparece na sua versão "reversão
da lenda", conforme estudo de Marcelo Neri (Fundação Getulio Vargas), que vem a ser o principal cultor da lenda.
Explico:
1 - TODAS as medições da desigualdade levam em conta APENAS
a renda do salário. Não incluem os
ganhos com o capital. E é, obviamente, na diferença entre o rendimento do capital e o do trabalho
que se verifica a mais obscena das
desigualdades brasileiras.
2 - No ano passado, quando consultei Neri para saber se suas pesquisas levavam em conta também o
rendimento do capital, respondeu
com um sonoro NÃO.
Trechos:
"Fizemos um experimento no
Censo e vimos que quem tem três
carros ou mais no domicílio (sinal
de riqueza aparente) tem quatro vezes mais chances de omitir a resposta de renda que quem não tem
carro no domicílio, situação que
corresponde a boa parte da população brasileira".
Conclusão inescapável: "Neste
sentido, a desigualdade brasileira
(salarial), que já era muito alta, tende a ser mais alta ainda" quando entra também o capital.
Logo, não é correto dizer, agora,
que a crise fez aumentar a desigualdade, pela simples e boa razão de
que ela jamais diminuiu. O correto
seria o IBGE e o Ipea, cujo presidente, Marcio Pochmann, já escreveu mais de uma vez o que está dito
acima, terem a honestidade intelectual de divulgar uma nota para, de
uma vez por todas, colocar a lenda
no seu devido lugar.
Desigualdade é um problema não
apenas ético mas também de funcionamento do sistema econômico-social. Não se resolvem problemas
escamoteando os fatos ou maquiando estatísticas.
crossi@uol.com.br
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