São Paulo, sexta-feira, 10 de abril de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O G20 e a emergência do Brasil

ALOIZIO MERCADANTE

O elogio de Obama a Lula é um reconhecimento do novo papel que nosso país e os demais emergentes desempenham no mundo

 

"Esse é o cara!"
(Obama, sobre Lula)


O ELOGIO público de Obama a Lula na cúpula do G20, mais que uma reverência ao carisma e à capacidade de negociação do presidente brasileiro, representa, acima de tudo, um reconhecimento do novo papel que nosso país e as demais nações emergentes desempenham neste cenário mundial conturbado.
Algo mudou no mundo. As novas geopolítica e geoeconomia internacionais, que reduziram as assimetrias da ordem mundial, catapultaram o Brasil, assim como outros países emergentes, à condição de atores de primeira linha no cenário externo.
Hoje, não se pode mais discutir questões relevantes do planeta sem a presença de Brasil, China, Índia e outras nações em desenvolvimento. O G8 teve de se transformar em G20. Algo inimaginável há poucos anos.
Outra coisa inimaginável era a crise. A confiança no livre mercado era total, mas a mão invisível deu um cruzado de direita bem no queixo do sistema financeiro norte-americano. O mundo ainda está tonto.
Esse mundo combalido voltou seus olhos para Londres. Havia a expectativa de que das brumas londrinas sairia alguma luz de esperança para um planeta bastante castigado pelos efeitos da pior crise desde 1929. Fez-se a luz. Não foi uma explosão solar, mas o suficiente para iluminar um caminho incipiente da necessária gestão multilateral da recessão.
Os números e compromissos impressionaram. Gordon Brown até declarou, com pompa e circunstância, que o Consenso de Washington morreu e que um novo consenso para mudar as regras do capitalismo emergiu. Coisa também inimaginável há pouco tempo.
O avanço foi significativo. Politicamente, as lideranças demonstraram união, fundamental para recobrar a confiança num cenário de grandes incertezas. Economicamente, porém, tudo vai depender da implementação das medidas. O enfrentamento da crise vai demandar bem mais do que boas intenções. Não será fácil. Na realidade, a crise desencadeou um complexo e delicado jogo geopolítico e geoeconômico que não se desenvolverá sem conflitos. A realização dos compromissos assumidos na reunião do G20 pressupõe, desse modo, uma constante e paciente negociação de interesses que nem sempre serão convergentes.
Os EUA terão um déficit, neste ano, de 12% do seu PIB, quase 3% do produto bruto mundial. Assim, para que a maior economia do planeta retome seu crescimento, será necessário encontrar meios para financiar esse imenso passivo. A China comprometeu boa parte de suas reservas no financiamento desse déficit, mas parece não estar mais disposta a arcar com um custo que a expõe a grandes riscos. O futuro do dólar como reserva de valor está ameaçado.
De outro lado, Obama afirmou que o mundo deverá se acostumar a viver sem o "excesso de consumo" que os Estados Unidos vinham praticando, o que terá consequências profundas no padrão de crescimento da China. A regulação das finanças mundiais opõe os interesses dos EUA e os da União Europeia.
O Brasil, por sua vez, com um sistema financeiro saudável, contas públicas em ordem, comércio exterior diversificado e efetiva vocação para o multilateralismo, se coloca em boa posição para aceder ao cenário pós-crise com renovado protagonismo.
O elogio público de Obama a Lula, além de um reconhecimento da posição atual do nosso país no mundo, talvez tenha sido também uma reverência premonitória a uma nova liderança que se consolidará cada vez mais.
No quadro desse complexo jogo da "realpolitik" mundial, os resultados da reunião de Londres podem soar utópicos. Contudo, são compromissos imprescindíveis.
Os líderes compreenderam que o custo do fracasso da reunião seria muito maior que quaisquer sacrifícios que compromissos multilaterais efetivos poderiam acarretar. O G20 percebeu que estamos todos no mesmo buraco e que a primeira coisa a fazer é parar de cavar com a pá do protecionismo e do isolacionismo. Não haverá "soluções nacionais" para a crise mundial. Na crise de 1929, as "soluções nacionais" conduziram a mais crise, à xenofobia e aos regimes autoritários que desembocaram na Segunda Guerra Mundial.
Bertrand Russel, um inglês profundamente comprometido com a paz e o progresso mundiais, afirmou certa vez: "Tem-se dito que o homem é um animal racional. Toda a minha vida busquei evidências que embasassem essa afirmação".
Da sua querida Londres surgiu uma pequena evidência do que ele tanto buscou. Obama, representando um EUA mais alinhado com o multilateralismo, foi decisivo. E o "cara", representando a nova força do Brasil, ajudou. Muito.

ALOIZIO MERCADANTE, 54, economista e professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp, é senador da República pelo PT-SP.


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