São Paulo, sexta-feira, 10 de abril de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Um soco no estômago
MARCOS CINTRA
VIVI RECENTEMENTE uma triste e pungente experiência. Observando as fotos das arruaças ocorridas em Paraisópolis, quando jovens moradores daquela favela depredavam propriedades e agrediam inocentes transeuntes em combate campal com a Polícia Militar paulista, identifiquei alguns jovens que eu havia conhecido algum tempo antes em circunstâncias totalmente diversas. Lembrei-me deles sem as feições embrutecidas que exibiam durante as arruaças, mas como saudáveis meninos pegadores de bola em uma academia de tênis. Eram jovens com idade aproximada entre nove e 12 anos que, após o período escolar matutino, ganhavam alguns trocados participando como auxiliares de partidas de tênis. Nos períodos de ociosidade das quadras alugadas, brincavam alegremente entre eles, praticando o esporte e tomando gosto pela prática salutar da cultura física. Não ganhavam salário, não tinham horário fixo nem obrigações a serem observadas. Apenas passavam seu tempo pegando bola e ganhando em troca alguns reais para suas pequenas despesas. No passado, esse costume induziu vários desses jovens pegadores de bola a se tornarem profissionais em suas respectivas modalidades esportivas. Outros acabaram cursando faculdades de educação física. Outros ainda se profissionalizaram como treinadores. E tudo como resultado dessa convivência lúdica com o esporte e com o aprendizado de uma técnica ou de uma profissão. Chamava-me a atenção que o dono da academia exigia desses meninos que mostrassem seus boletins escolares e dava-lhes uma dura, chegando até mesmo a impedir que frequentassem a academia enquanto não demonstrassem que suas notas eram adequadas. Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições. Cumprindo as determinações da legislação trabalhista, que, como diz a sabedoria popular, lota boa parte do inferno apesar das boas intenções, nossos zelosos guardiões da lei não deram alternativas aos meninos pegadores de bola, a não ser perambular pelas esquálidas ruas da favela. Como a ociosidade é a mãe dos vícios, pouco tempo depois, como pude constatar, aqueles meninos, já jovens adolescentes, acabaram engrossando as fileiras dos baderneiros e servindo de massa de manobra para os bandidos e traficantes daquela região. Não é minha intenção criticar as autoridades, que apenas cumprem a lei. Como foi dito por elas ao proprietário da academia, naquele caso específico, sentiam-se incomodados por terem que cumprir suas obrigações legais, mas afirmaram que era comum casos de flagrante exploração de trabalho infantil, uma prática universalmente repudiada e a ser extirpada de nosso meio. Vem então a pergunta: o que fazer? É triste ver que, por força de bem-intencionados dispositivos legais, aqueles jovens não puderam encontrar caminhos que evitassem que fossem transformados em meliantes e bandidos em potencial. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio nesse absurdo descasamento entre intenções e resultados. Abundam exemplos similares em outras áreas, da tributária à preservação ambiental, passando pela proteção de bens históricos e pela legislação de uso e ocupação do solo. Tais equívocos nos fazem descrer da lei como uma diretriz segura em direção ao bem-estar social. Como secretário do Trabalho do município de São Paulo, proporei ao prefeito Gilberto Kassab que, em colaboração com outras secretarias, procuremos o Ministério Público e o Ministério do Trabalho para a celebração de um acordo que nos permita criar um programa de certificação de atividades e de empresas que possam, sob estrita vigilância e acompanhamento da prefeitura, desenvolver programas monitorados e devidamente formatados, capazes de recuperar práticas como a que presenciei no passado naquelas quadras de tênis. Quem sabe a cada bola lançada para uma raquete haja um coquetel molotov a menos arremessado com ódio na cara da sociedade paulistana. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é vereador licenciado (PR) e secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de São Paulo. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Aloizio Mercadante: O G20 e emergência do Brasil Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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