São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Waterloo tropicalista

SÃO PAULO - Estreou anteontem, na abertura da 15ª edição do festival "É Tudo Verdade", criado e dirigido por Amir Labaki, o documentário "Uma Noite em 67", dos diretores Renato Terra e Ricardo Calil.
Não espere algo brilhante e tão revelador como "Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei", lançado em 2008 no mesmo festival. Mas, como este, o filme tem o mérito de iluminar o funcionamento da indústria da diversão que surgia alavancada pela fusão da música com a TV. Certa mitologia em torno da "efervescência de esquerda" tende a menosprezar o apelo comercial da cultura que se massificava.
A noite era 21 de outubro, um sábado, final do 3º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record. Edu Lobo ganhou com "Ponteio"; Chico Buarque ficou em terceiro, com "Roda Viva"; e Caetano Veloso, em quarto, com "Alegria, Alegria".
Gilberto Gil, que três meses antes havia participado -sem muita clareza e convicção do que fazia- da famosa passeata "contra a guitarra elétrica", ficou em segundo, com "Domingo no Parque". E acompanhado justamente pelos Mutantes, que dali se projetariam como o primeiro grupo brasileiro de rock.
São contradições que hoje soam anedóticas. Mas há também o efeito contrário: vendo aquelas imagens 40 anos depois, fica-se com a sensação de que tudo era menos épico e mais misturado.
As entrevistas com os artistas nos intervalos entre as canções já antecipam o que hoje chamamos desdenhosamente de "jornalismo de celebridades". E a agitação febril da plateia parece evocar as "macacas de auditório". O ambiente de festa hoje talvez nos diga mais do que o violão que Sérgio Ricardo atirou sobre o público que o vaiava.
Como o personagem de Stendhal na "Cartuxa de Parma", estavam todos no meio do fogo cruzado sem desconfiar de que eram testemunhas da batalha de Waterloo. Com a exceção nítida de Caetano Veloso. Ele sabia que a confusão entre a política e o pop, o engajamento e a diversão, a história e o sucesso já era o próprio tropicalismo.


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