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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Waterloo tropicalista
SÃO PAULO - Estreou anteontem,
na abertura da 15ª edição do festival
"É Tudo Verdade", criado e dirigido
por Amir Labaki, o documentário
"Uma Noite em 67", dos diretores
Renato Terra e Ricardo Calil.
Não espere algo brilhante e tão
revelador como "Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei", lançado em 2008 no mesmo festival.
Mas, como este, o filme tem o mérito de iluminar o funcionamento da
indústria da diversão que surgia
alavancada pela fusão da música
com a TV. Certa mitologia em torno
da "efervescência de esquerda" tende a menosprezar o apelo comercial
da cultura que se massificava.
A noite era 21 de outubro, um sábado, final do 3º Festival da Música
Popular Brasileira da TV Record.
Edu Lobo ganhou com "Ponteio";
Chico Buarque ficou em terceiro,
com "Roda Viva"; e Caetano Veloso,
em quarto, com "Alegria, Alegria".
Gilberto Gil, que três meses antes
havia participado -sem muita clareza e convicção do que fazia- da
famosa passeata "contra a guitarra
elétrica", ficou em segundo, com
"Domingo no Parque". E acompanhado justamente pelos Mutantes,
que dali se projetariam como o primeiro grupo brasileiro de rock.
São contradições que hoje soam
anedóticas. Mas há também o efeito
contrário: vendo aquelas imagens
40 anos depois, fica-se com a sensação de que tudo era menos épico e
mais misturado.
As entrevistas com os artistas nos
intervalos entre as canções já antecipam o que hoje chamamos desdenhosamente de "jornalismo de celebridades". E a agitação febril da
plateia parece evocar as "macacas
de auditório". O ambiente de festa
hoje talvez nos diga mais do que o
violão que Sérgio Ricardo atirou sobre o público que o vaiava.
Como o personagem de Stendhal
na "Cartuxa de Parma", estavam todos no meio do fogo cruzado sem
desconfiar de que eram testemunhas da batalha de Waterloo. Com a
exceção nítida de Caetano Veloso.
Ele sabia que a confusão entre a política e o pop, o engajamento e a diversão, a história e o sucesso já era o próprio tropicalismo.
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