São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Inteligência e piedade

RIO DE JANEIRO - Em conferência pronunciada na semana passada, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, recebeu duas violentas manifestações sobre a sua atuação na vida pública norte-americana.
Ele não foi questionado: foi acusado de ter mentido ao povo norte-americano e ao mundo sobre as armas de destruição em massa que o Iraque estaria fabricando. Nenhuma novidade nesse protesto.
A novidade foi a resposta que o secretário da Defesa deu: ele não mentiu. Simplesmente acreditou "piamente" nas informações que os serviços de inteligência dos Estados Unidos haviam fornecido ao governo Bush.
O "piamente" foi textual. Ele não se referiu nem a uma ingenuidade pessoal e tampouco a uma tendência de acreditar no pior por parte dos adversários da política de Washington.
Se o governo Bush é piedoso, e seu secretário de Defesa é igualmente piedoso, o mundo tem muito a temer dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, que aparentemente não estão comprometidos com nenhum tipo de piedade. Qualquer país fica na dependência dos agentes da "inteligência" de Washington e, evidentemente, da piedosa crença do governo norte-americano na qualidade e na amplidão dessa inteligência.
Difícil imaginar o que piamente os Estados Unidos farão com o Irã, que atropelou a inteligência da CIA e do Pentágono e declarou que está desenvolvendo o seu projeto nuclear de forma independente.
Volta e meia, norte-americanos manifestam acreditar piamente que o Brasil seja incapaz de preservar a floresta amazônica. Ele não constitui uma potencial ameaça nuclear, mas um dano considerável à ecologia do planeta. O mesmo governo que se recusou a assinar o Tratado de Kyoto preocupa-se piedosamente com as nossas madeiras e os nossos animais silvestres.
Se os serviços de inteligência norte-americanos chegarem à conclusão de que somos um perigo para o mundo, o governo Bush piamente tomará providências para salvar a humanidade da ameaça brasileira.


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