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FREDERICO VASCONCELOS
A invasão das câmeras
A EQUIPE DE TV chegou à casa de Agostinho dos Santos
antes que a família soubesse
da morte do cantor, vítima do desastre aéreo no aeroporto de Orly,
em Paris, em 1973. Diante da câmera, a filha cantarolou sucessos do
pai, antes de a repórter lhe transmitir a notícia e gravar o seu desespero. Um abuso indesculpável.
Anos depois, a televisão estimularia a disputa de audiência no período da tarde com programas do
tipo "mundo cão". Repórteres pegavam carona em viaturas policiais
e era comum a polícia chutar a porta do barraco e, a câmera de TV,
cúmplice, acompanhar a invasão.
Nessa época, os grandes jornais
paulistas mantinham certa "assepsia": a violência e o crime eram reservados aos chamados jornais populares. Demorou para que a imprensa de São Paulo, ao contrário
da carioca, estampasse nas primeiras páginas dramas diários da população, dos problemas com transporte às chacinas. A violência disseminada (ou o apelo ao leitor) eliminou essas diferenças.
Um diálogo registrado no livro
"Mídia e Violência" confirma como
estamos distantes de certo tipo de
reportagem policial: "Eu peguei o
tempo em que o policial batia no
preso e o repórter não falava nada",
comenta um jornalista. Outro,
mais velho, replica: "E eu peguei o
tempo em que o repórter batia no
preso". O livro, publicado pela Universidade Cândido Mendes, concluiu que a cobertura melhorou,
mas ainda tem muito a avançar.
Os veículos de comunicação estão mais cautelosos depois da Escola Base -que virou um "carimbo", usado por suspeitos na Justiça
para tentar desqualificar apurações jornalísticas. Mas o "Caso Isabella" pôs novamente à prova os limites entre o interesse público e o
sensacionalismo. Não tenho dúvidas de que houve excessos.
Entre um caso e outro, a tecnologia permitiu um jornalismo mais
"invasivo" -para o bem e para o
mal. Denúncias a partir de filmagens com câmera oculta geraram
escândalos como o do mensalão.
Pessoas comuns, com câmeras
portáteis, documentaram violências policiais como a da Favela Naval. O portador de celular com câmera virou repórter na internet.
Num outro plano, analisando-se
a partir do cidadão, as primeiras
câmeras instaladas em áreas públicas, locais de trabalho e prédios residenciais despertaram o sentimento de privacidade violada. Com
o avanço da criminalidade, esse
aparato invasor tornou-se útil
equipamento de segurança para
inibir ou comprovar agressões, um
recurso para solucionar crimes.
Hoje, desconfio que os leitores
assustados com a enxurrada de notícias sobre violência, e desprotegidos diante dos limites da ação preventiva da polícia, devem sentir
certo alívio ao ler o aviso bobo:
"Sorria, você está sendo filmado!".
FREDERICO VASCONCELOS é repórter especial.
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