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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correta a proibição da Marcha da Maconha?
NÃO
Antes de tudo, a liberdade
ROBERTO DELMANTO
"Homens e mulheres são livres apenas
quando agem" (Hannah Arendt)
AS DECISÕES dos Tribunais de
Justiça de São Paulo e do Rio
de Janeiro que, atendendo a
pedido do Ministério Público, proibiram a marcha pela descriminalização
do uso da maconha, ou seja, para que
tal conduta deixe de ser considerada
criminosa, não me pareceram, com o
devido respeito, as mais acertadas.
O Brasil, como um moderno Estado
democrático de Direito, tem uma das
Constituições mais avançadas do
mundo no que diz respeito aos direitos humanos, motivo de orgulho para
todos nós. A Magna Carta garante o
direito à livre "manifestação do pensamento" (CF, art. 5º, IV) e à livre "locomoção no território nacional em
tempo de paz" (CF, art. 5º, XV) e diz
que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos
ao público, independentemente de
autorização" (CF, art. 5º, XVI).
Essas mesmas garantias constam
de dois importantes tratados internacionais por nosso país assinados: a
Convenção Americana de Direitos
Humanos (arts.13, I, e 15) e o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos (arts. 19, 2, e 21).
Elas representam conquistas da civilização que demoraram séculos para se consolidar e constituem sempre
os alvos preferidos das ditaduras, tanto de direita quanto de esquerda.
Nosso Código Penal, por sua vez,
lista entre os delitos contra a paz pública a "incitação ao crime" (art. 286)
e a "apologia de crime ou criminoso"
(art. 287), ambos punidos com detenção de três a seis meses ou multa.
O verbo "incitar" tem a significação
de açular, excitar, provocar. Pune-se
o comportamento de quem incita a
prática de crime. Portanto, deve tratar-se de fato expressamente previsto
em lei como tal, não se enquadrando
nessa figura o incitamento para praticar contravenção penal (infração menos grave que o crime) ou ato imoral.
Já fazer "apologia" é louvar, elogiar,
enaltecer, exaltar fato criminoso ou
autor de crime, não sendo punível a
mera opinião.
Ora, uma coisa é incitar ou louvar o
uso da maconha (que continua a ser
crime, embora sancionado com penas
não privativas de liberdade); outra,
defender a idéia ou a tese de que seu
uso não mais seja considerado crime.
O que o direito pune, evidentemente, é o abuso no exercício da liberdade
de manifestação de pensamento. Logo, não haverá ilicitude na conduta de
quem, no exercício legítimo dessa liberdade, propugnar pela descriminalização do aborto, da eutanásia ou do
porte de droga para uso próprio.
A discussão a respeito desse último
tema é não só legítima como absolutamente necessária.
O combate ao tráfico de drogas, no
Brasil e no mundo, vem sendo perdido porque é equivocado. O tráfico e
seu consumo se afiguram muito mais
um problema social do que policial.
Precisamos investir em educação,
discutindo abertamente o problema
nas escolas desde cedo: a ilusão que as
drogas representam e o terrível mal
que acarretam em curto prazo.
Acho que, numa primeira fase, deveríamos descriminalizar as drogas
consideradas mais leves e aumentar o
apoio aos dependentes químicos, incentivando-os e ajudando-os a abandonar o vício. Como na Inglaterra, receberiam uma espécie de cardeneta, e
a droga, paulatinamente diminuída
sob orientação médica, seria fornecida pelo Estado e nela anotada. Assim,
o tráfico e a corrupção que o envolve
diminuiriam consideravelmente.
Devemos, portanto, ter coragem e
liberdade de discutir abertamente o
tema, e não receio de fazê-lo, proibindo manifestações a favor ou contra. A
coragem, disse Aristóteles, "é a primeira das qualidades humanas porque é a que garante as outras".
E, quanto ao direito de viver e se
manifestar livremente, o escritor Victor Hugo, ainda menino, ouviu de um
coronel francês, opositor de Napoleão, uma frase da qual jamais se esqueceria: "Lembre-se sempre, meu filho, acima de tudo, a liberdade".
ROBERTO DELMANTO, 64, é advogado criminalista, autor de "Código Penal Comentado", entre outras obras. Foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária
do Estado de São Paulo e do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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