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É correta a proibição da Marcha da Maconha?
SIM
Uma restrição justa
EDUARDO DE SOUZA ROSSINI
O INCISO V do art. 5º da Constituição é lavrado nos seguintes
termos: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato". O inciso XVI do mesmo
artigo é assim redigido: "Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,
desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o
mesmo local, sendo apenas exigido
prévio aviso à autoridade competente". Já o inciso XVII tem a seguinte
redação: "É plena a liberdade de associação para fins lícitos (...)."
O art. 5º trata dos direitos e deveres
individuais e coletivos e tem o escopo
de oferecer garantias fundamentais
aos cidadãos, assegurando-lhes o gozo da plena cidadania. Só que os bônus vêm acompanhados dos ônus.
A livre manifestação do pensamento está condicionada à identificação
de quem se manifesta, o que não ocorreu no caso, porquanto o sítio eletrônico da marcha está alojado em provedor estrangeiro, sem nenhuma indicação de responsáveis no Brasil.
Aliás, a denominação do site é
"Marcha da Maconha", e não "Marcha para Discussão da Legalização da
Maconha". Se fosse sob essa última
denominação, a idéia de apologia ao
uso da maconha ficaria afastada. No
entanto, o conteúdo da campanha
enaltece a substância entorpecente.
No citado sítio, há um filme institucional em que se vislumbra um jovem
que, após acordar, faz uso de um cigarro de maconha (escolhido dentre
vários já prontos) para, incontinênti,
sair em caminhada, onde são mostrados inúmeros cigarros da droga.
Como foi feita a campanha, houve
incontestável conteúdo apologético.
Não há diferença entre "Marcha da
Maconha", "Marcha da Morte",
"Marcha das Queimadas" e outras
contrárias ao interesse público.
Em São Paulo, a marcha ocorreria
no parque Ibirapuera. Após consultas
aos mais variados órgãos administrativos e de segurança, não se teve conhecimento de prévio aviso por parte
dos (anônimos) organizadores.
Não houve preocupação com a organização do evento, como fazem os
tantos movimentos sociais, para que
não ocorram tumultos de toda ordem, como interrupção do tráfego.
Ao lado do anonimato e da falta de
comunicação a órgãos administrativos e de segurança, o Ministério Público de São Paulo se aliou aos demais
Ministérios Públicos estaduais, por
iniciativa do CAOCrim da Bahia, pois
houve entendimento majoritário de
que a Marcha da Maconha tinha incontestável conteúdo apologético,
porquanto fomentava, de forma cristalina, não o debate, mas o efetivo uso
do entorpecente, caracterizando-se, a
nosso entender, a incitação e a apologia preconizadas tanto nos arts. 286 e
287 do Código Penal quanto no art.
33, parágrafo 2º, da lei nº 11.343/06.
Longe de entender que se trata de
censura ou de limitação ao direito de
manifestação, medidas judiciais foram propostas nas mais diferentes capitais do Brasil, resultando em proibição na maioria delas (Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá, Curitiba e
João Pessoa).
Em São Paulo, o TJ deferiu medida
liminar em mandado de segurança e
impediu a realização da marcha com
fundamento nos argumentos acima.
Não bastassem os fundamentos jurídicos, houve maciça manifestação
de apoio à proibição, porquanto a recente alteração legislativa, que culminou com a lei nº 11.343/06, foi precedida de exaustivo debate tanto no
Congresso Nacional quanto nos ambientes sociais e acadêmicos, resultando na não aplicação de pena corporal ao usuário, nos exatos termos
do art. 28 e seus incisos.
Postas todas essas premissas, conclui-se que foi correta a proibição da
marcha, solução inserida num contexto de plena constitucionalidade,
porquanto a Magna Carta instituiu
um sistema de pesos e contrapesos,
pelo qual os bônus devem vir acompanhados de seus respectivos ônus.
Discutir a legalização das drogas é
perfeitamente possível. Promover,
sob o manto do anonimato e sem prévia comunicação oficial às autoridades competentes, uma marcha com
inequívoco caráter apologético ao uso
da droga é inaceitável, daí a medida
judicial proposta e deferida.
EDUARDO DE SOUZA ROSSINI, 43, mestre e doutor em
direito penal, é promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Estado de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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