São Paulo, sábado, 10 de maio de 2008

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É correta a proibição da Marcha da Maconha?

SIM

Uma restrição justa

EDUARDO DE SOUZA ROSSINI

O INCISO V do art. 5º da Constituição é lavrado nos seguintes termos: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". O inciso XVI do mesmo artigo é assim redigido: "Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Já o inciso XVII tem a seguinte redação: "É plena a liberdade de associação para fins lícitos (...)."
O art. 5º trata dos direitos e deveres individuais e coletivos e tem o escopo de oferecer garantias fundamentais aos cidadãos, assegurando-lhes o gozo da plena cidadania. Só que os bônus vêm acompanhados dos ônus.
A livre manifestação do pensamento está condicionada à identificação de quem se manifesta, o que não ocorreu no caso, porquanto o sítio eletrônico da marcha está alojado em provedor estrangeiro, sem nenhuma indicação de responsáveis no Brasil.
Aliás, a denominação do site é "Marcha da Maconha", e não "Marcha para Discussão da Legalização da Maconha". Se fosse sob essa última denominação, a idéia de apologia ao uso da maconha ficaria afastada. No entanto, o conteúdo da campanha enaltece a substância entorpecente.
No citado sítio, há um filme institucional em que se vislumbra um jovem que, após acordar, faz uso de um cigarro de maconha (escolhido dentre vários já prontos) para, incontinênti, sair em caminhada, onde são mostrados inúmeros cigarros da droga.
Como foi feita a campanha, houve incontestável conteúdo apologético.
Não há diferença entre "Marcha da Maconha", "Marcha da Morte", "Marcha das Queimadas" e outras contrárias ao interesse público.
Em São Paulo, a marcha ocorreria no parque Ibirapuera. Após consultas aos mais variados órgãos administrativos e de segurança, não se teve conhecimento de prévio aviso por parte dos (anônimos) organizadores.
Não houve preocupação com a organização do evento, como fazem os tantos movimentos sociais, para que não ocorram tumultos de toda ordem, como interrupção do tráfego. Ao lado do anonimato e da falta de comunicação a órgãos administrativos e de segurança, o Ministério Público de São Paulo se aliou aos demais Ministérios Públicos estaduais, por iniciativa do CAOCrim da Bahia, pois houve entendimento majoritário de que a Marcha da Maconha tinha incontestável conteúdo apologético, porquanto fomentava, de forma cristalina, não o debate, mas o efetivo uso do entorpecente, caracterizando-se, a nosso entender, a incitação e a apologia preconizadas tanto nos arts. 286 e 287 do Código Penal quanto no art. 33, parágrafo 2º, da lei nº 11.343/06.
Longe de entender que se trata de censura ou de limitação ao direito de manifestação, medidas judiciais foram propostas nas mais diferentes capitais do Brasil, resultando em proibição na maioria delas (Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá, Curitiba e João Pessoa).
Em São Paulo, o TJ deferiu medida liminar em mandado de segurança e impediu a realização da marcha com fundamento nos argumentos acima.
Não bastassem os fundamentos jurídicos, houve maciça manifestação de apoio à proibição, porquanto a recente alteração legislativa, que culminou com a lei nº 11.343/06, foi precedida de exaustivo debate tanto no Congresso Nacional quanto nos ambientes sociais e acadêmicos, resultando na não aplicação de pena corporal ao usuário, nos exatos termos do art. 28 e seus incisos.
Postas todas essas premissas, conclui-se que foi correta a proibição da marcha, solução inserida num contexto de plena constitucionalidade, porquanto a Magna Carta instituiu um sistema de pesos e contrapesos, pelo qual os bônus devem vir acompanhados de seus respectivos ônus.
Discutir a legalização das drogas é perfeitamente possível. Promover, sob o manto do anonimato e sem prévia comunicação oficial às autoridades competentes, uma marcha com inequívoco caráter apologético ao uso da droga é inaceitável, daí a medida judicial proposta e deferida.


EDUARDO DE SOUZA ROSSINI, 43, mestre e doutor em direito penal, é promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Estado de São Paulo.

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