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CLÓVIS ROSSI
A lógica da desesperança
SÃO PAULO - É, obviamente, cedo para abandonar toda e qualquer esperança em relação ao futuro do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mas
é difícil encontrar argumentos racionais para rebater a desesperança exposta pelo filósofo Paulo Arantes, em
debate na quinta-feira, relatado num
belo trabalho de Rafael Cariello para
a Folha de domingo.
"Uma vez adotada a atual política
macroeconômica, que não é especificamente brasileira, mas mundial, a
saída é uma impossibilidade lógica",
disparou Arantes.
Tem razão. Se ele me permite ser
menos filósofo e mais primário no raciocínio, o que ocorre é a "piranhização" do governo Lula. Funciona assim: deixadas cair no rio as primeiras
gotas de sangue para aplacar a fúria
das piranhas do mercado, depois não
é mais possível deixar de saciar o
apetite delas, sob pena de uma terrível vingança.
A vingança pode até tardar um
pouco, mas virá, inexorável, no primeiro momento em que o governo
tentar colocar um entrave qualquer à
liberdade dos capitais para se movimentarem e buscarem o maior lucro
possível no menor tempo possível e
com o menor risco possível.
A "impossibilidade lógica" de que
fala Arantes está dada pelo fato de
que ganhar credibilidade aos olhos
do mercado não é um fenômeno que
tenha começo, meio e fim.
Todo santo dia é preciso ajoelhar e
rezar aos mercados (ou beijar a cruz,
para usar a expressão do filósofo).
Não há hipótese de graduação. O
aluno (governo Lula) estará todo
santo dia sob exame das piranhas, e a
nota é dada não pela ação em favor
do país, mas pela capacidade de continuar saciando a sede de sangue.
Basta lembrar o que sofreu -por
decisão própria, é verdade- um governo como o de FHC, em tese mais
pró-mercado do que o de Lula. Supor
que agora será diferente, que o Fome
Zero comoverá os agentes financeiros, é acreditar em Papai Noel.
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