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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O Nordeste e o Brasil
Como pode o Brasil, ao ajudar os
nordestinos a resolver os problemas do Nordeste, abrir caminhos para
o país? Como transformar drama que
cansa e desilude em campanha que
energiza e orienta?
Estar livre de preconceitos ideológicos é a exigência fundamental para
quem queira corrigir grandes desigualdades regionais. O experimentalismo desassombrado deve, porém,
pautar-se pelo que muito que já se
aprendeu no mundo a respeito desse
tema.
Em primeiro lugar, a região atrasada
precisa fazer diferente de como se faz
no resto do país. Em determinados setores e lugares, regime tributário, tarifário, trabalhista e previdenciário especial têm de desonerar a produção,
compensando a falta de economias de
escala.
Em segundo lugar, o uso de regras
extraordinárias para induzir febre
empreendedora deve ser acompanhado de mecanismos de mercado, ou de
mímica do mercado, que ponham fim
rápido aos empreendimentos malogrados e que afastem os catadores de
dinheiro público fácil. O objetivo não
é evitar erros; é cometê-los depressa,
como se diz da ciência.
Em terceiro lugar, convém tratar a
região atrasada, paradoxalmente, como terreno para iniciativas vanguardistas: como laboratório da nação e
como arauto de seu futuro, não como
beneficiária de sua caridade. Em vez
de tentar generalizar, de roldão, à base
de energia, de água, de transporte e de
comunicação, focalizá-la em pólos irradiadores onde se possam reunir capacidades e empreendimentos. Em
vez de aceitar que a classe média continue a ser a única fonte de quadros
técnicos e profissionais, identificar em
todas as classes sociais as crianças
mais talentosas e aplicadas e apoiá-las
integralmente. Em vez de deixar o
mercado com a produção e o Estado
com o social, engajar as empresas na
provisão de bens públicos e fundar
novas empresas públicas para produzir os materiais e as máquinas que faltarem. Em vez de ver tecnologia avançada como imprópria para região pobre, empregá-la para produzir maquinaria simples, barata e adaptada ao
meio. Em vez de esperar que o mercado chegue, usar o poder público para
difundir acesso ao mercado, multiplicando centros e fundos públicos que
possam investir em empreendimentos emergentes e monitorá-los como
"venture capitalists". Tratar a capacidade de criar o novo -o novo produto, a nova técnica, a nova maneira de
organizar as relações entre governos e
empresas- como arma de superação
do atraso, não como luxo de Primeiro
Mundo.
Em quarto lugar, a redistribuição
automática de recursos das regiões
mais ricas do país para as mais pobres,
a ser embutida nas regras tributárias,
deve desdobrar-se em automatismo
semelhante nas providências de avaliação. Avaliação a ser praticada por
peritos recrutados no mercado e nas
organizações técnicas, dentro e fora
do país e sempre longe dos influentes.
Linha de atuação que for mal avaliada
será cortada, respeitado o direito de
governos eleitos de rejeitar as recomendações públicas dos avaliadores.
É natural que os nordestinos reivindiquem como sua a causa do Nordeste. Encaminhar soluções para os problemas do Nordeste, onde se concentram muitos dos sofrimentos da nação e muitas de suas forças morais, é,
entretanto, preocupação e privilégio
de todos os brasileiros. Nada faria tanto bem ao país quanto um movimento
generoso de imaginação e de vontade
que reconhecesse no soerguimento do
Nordeste o primeiro requisito da libertação do Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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