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São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O Nordeste e o Brasil

Como pode o Brasil, ao ajudar os nordestinos a resolver os problemas do Nordeste, abrir caminhos para o país? Como transformar drama que cansa e desilude em campanha que energiza e orienta?
Estar livre de preconceitos ideológicos é a exigência fundamental para quem queira corrigir grandes desigualdades regionais. O experimentalismo desassombrado deve, porém, pautar-se pelo que muito que já se aprendeu no mundo a respeito desse tema.
Em primeiro lugar, a região atrasada precisa fazer diferente de como se faz no resto do país. Em determinados setores e lugares, regime tributário, tarifário, trabalhista e previdenciário especial têm de desonerar a produção, compensando a falta de economias de escala.
Em segundo lugar, o uso de regras extraordinárias para induzir febre empreendedora deve ser acompanhado de mecanismos de mercado, ou de mímica do mercado, que ponham fim rápido aos empreendimentos malogrados e que afastem os catadores de dinheiro público fácil. O objetivo não é evitar erros; é cometê-los depressa, como se diz da ciência.
Em terceiro lugar, convém tratar a região atrasada, paradoxalmente, como terreno para iniciativas vanguardistas: como laboratório da nação e como arauto de seu futuro, não como beneficiária de sua caridade. Em vez de tentar generalizar, de roldão, à base de energia, de água, de transporte e de comunicação, focalizá-la em pólos irradiadores onde se possam reunir capacidades e empreendimentos. Em vez de aceitar que a classe média continue a ser a única fonte de quadros técnicos e profissionais, identificar em todas as classes sociais as crianças mais talentosas e aplicadas e apoiá-las integralmente. Em vez de deixar o mercado com a produção e o Estado com o social, engajar as empresas na provisão de bens públicos e fundar novas empresas públicas para produzir os materiais e as máquinas que faltarem. Em vez de ver tecnologia avançada como imprópria para região pobre, empregá-la para produzir maquinaria simples, barata e adaptada ao meio. Em vez de esperar que o mercado chegue, usar o poder público para difundir acesso ao mercado, multiplicando centros e fundos públicos que possam investir em empreendimentos emergentes e monitorá-los como "venture capitalists". Tratar a capacidade de criar o novo -o novo produto, a nova técnica, a nova maneira de organizar as relações entre governos e empresas- como arma de superação do atraso, não como luxo de Primeiro Mundo.
Em quarto lugar, a redistribuição automática de recursos das regiões mais ricas do país para as mais pobres, a ser embutida nas regras tributárias, deve desdobrar-se em automatismo semelhante nas providências de avaliação. Avaliação a ser praticada por peritos recrutados no mercado e nas organizações técnicas, dentro e fora do país e sempre longe dos influentes. Linha de atuação que for mal avaliada será cortada, respeitado o direito de governos eleitos de rejeitar as recomendações públicas dos avaliadores.
É natural que os nordestinos reivindiquem como sua a causa do Nordeste. Encaminhar soluções para os problemas do Nordeste, onde se concentram muitos dos sofrimentos da nação e muitas de suas forças morais, é, entretanto, preocupação e privilégio de todos os brasileiros. Nada faria tanto bem ao país quanto um movimento generoso de imaginação e de vontade que reconhecesse no soerguimento do Nordeste o primeiro requisito da libertação do Brasil.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

www.law.harvard.edu/unger


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