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SÉRGIO MALBERGIER
Democracia neles
Um dos grandes objetivos dos anfitriões americanos da cúpula do
G8 deste ano era aprovar um documento promovendo a democracia no
Oriente Médio.
Quando um primeiro esboço do plano vazou, a grita foi enorme entre as
ditaduras árabes. Reclamaram que
não queriam planos impostos do exterior e que não se pode falar de democracia na região sem falar do conflito
israelo-palestino. Faltou explicar como o que acontece na Palestina impede um cidadão árabe de sair de sua casa e depositar seu voto na urna.
No final, os países árabes mais importantes -Arábia Saudita e Egito-
esnobaram a cúpula em Sea Island, e o
documento anunciado ontem não deve ter grande valor prático.
A democracia é estranha ao mundo
árabe. Não há entre os 22 membros da
Liga Árabe nenhum país onde vigore
o Estado de Direito. Relatórios sobre o
desenvolvimento árabe produzidos
por especialistas árabes para a ONU
em 2002 e em 2003 chegaram à mesma conclusão: que os países árabes
perderam o trem da abertura política
após o fim da Guerra Fria, que levou a
democracia a regiões como a América
Latina e a Ásia.
E estão perdendo também o trem da
era da informação. Os árabes, segundo a ONU, ficam atrás de outras regiões em termos de disseminação do
conhecimento. A leitura de livros é relativamente limitada, a educação dita
submissão em lugar de pensamento
crítico e a opressão às mulheres é generalizada. O relatório culpa a falta de
"canais pacíficos e efetivos de combate às injustiças" pela pressão que leva
os grupos políticos radicais (como os
extremistas islâmicos) a promover a
mudança por meio da violência.
O problema (grave) está diagnosticado. E pelos próprios árabes. É importante não só para os oprimidos
árabes, mas para o mundo todo, resolvê-lo, já que o terror islâmico tem entre suas causas principais a falta de democracia. Mesmo para nós, distantes
brasileiros, já que o preço do petróleo
tem ligação direta com a instabilidade
política árabe.
Os EUA fizeram quase tudo errado
no Iraque. Com isso, o que parte de
Washington em relação ao país que
ocupa é logo descartado.
Mas numa coisa os neoconservadores por trás da aventura iraquiana têm
razão: se algum tipo de sistema democrático vingar em Bagdá, ele terá enorme poder de disseminação, dada a
centralidade do Iraque em relação ao
mundo árabe. Portanto, mais do que a
planos grandiosos para a região, é a isso que os EUA devem se ater.
E que os relativistas culturais não se
esqueçam de que a democracia não é
estranha ao mundo islâmico, como
atestam centenas de milhões de indonésios, turcos e indianos.
E que os ditadores árabes não reclamem da introdução de "costumes ocidentais" em seus países. Como lembra
o decano arabista inglês Bernard Lewis, foi a introdução do modernismo
ocidental no Oriente Médio no início
do século 20 que propiciou as condições para o surgimento dos Estados
fortes e autocráticos. Foi pelas ferrovias recém-importadas que os governantes puderam enviar suas tropas
para eliminar dissensões nos confins
de seus reinos.
Sérgio Malbergier é editor de Mundo. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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