São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A imprensa e o espírito crítico
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Os jornais, revistas, emissoras de rádio e TV dificilmente resistiriam a tal pressão, ainda mais porque o presidente e o governo foram muito bem-sucedidos em sua pretensão de ser vistos pelos seus compatriotas como a encarnação absoluta dos valores supremos da nação. Quem duvidasse dessa incorporação imediatamente corria o risco de ser tachado de traidor da pátria. Foram pouquíssimos os que não cederam. Algumas revistas de circulação relativamente baixa e restrita aos estratos mais intelectualizados, ao lado de um ou outro colunista de grandes jornais, estiveram entre as exceções e pagaram o preço por isso. Mas somente os ignorantes dos EUA poderiam ter imaginado que esse comportamento da imprensa e da sociedade americanas não começaria a se alterar paulatinamente, em especial se a Casa Branca, como o fez, passasse a se valer da indignação cidadã provocada pela tragédia para fazer acelerar projetos políticos específicos de seus atuais inquilinos que pudessem ameaçar alguns princípios essenciais do sistema democrático do país. O dinamismo e a diversidade de opiniões são algumas das marcas mais fortes do caráter nacional americano. E são muitos, embora talvez minoritários, os que lá acreditam com entusiasmo no primado da liberdade sobre todos os outros direitos. A Lei Patriota dos EUA (USA Patriot Act), aprovada de maneira sôfrega cinco semanas após a tragédia e quase unanimemente por um Congresso tão amortecido quanto quase todas as instituições da sociedade, logo se transformou no principal alvo de críticas dos que despertaram à frente do torpor cívico em que a ação da Al Qaeda envolvera o país. Em consonância com essa resistência a princípio incipiente, mas a cada dia maior, jornalistas e meios de comunicação de massa também foram aos poucos se livrando dos constrangimentos que o ambiente jingoísta lhes impunha e reconquistando a desenvoltura que os distinguira no passado recente. A incompetência assombrosa do governo Bush na condução do pós-guerra no Iraque, com suas inevitáveis conseqüências de alto custo humano, certamente facilitou a decisão de muitos que ainda pudessem estar em dúvida sobre o caminho a seguir. Mas, certamente, diversos órgãos de comunicação têm respondido com vigor a estímulos muitas vezes oriundos de soldados e seus familiares (como os que, por exemplo, encaminharam a jornais e sites da internet as fotos proibidas de caixões com corpos de militares mortos no Iraque ou os flagrantes de tortura na infame prisão de Abu Ghraib). Para quem crê na absoluta necessidade de haver jornalismo independente e agressivamente crítico em relação ao Estado para garantir a existência de sociedade realmente democrática, os EUA foram, na segunda metade do século 20, um formidável estímulo. É reconfortante perceber que, apesar de o desvio de rota ocorrido a partir de 11 de Setembro de 2001 ainda não estar totalmente superado, neste século eles poderão continuar a desempenhar esse papel. Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, mestre em comunicação pela Michigan State University (EUA), livre-docente e doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi correspondente da Folha em Washington. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Samuel Mac Dowell de Figueiredo: A escolha americana Índice |
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