São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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O TSE se desgasta

Pouco importa se a mudança vem ou não de interpretações da lei: se descumpre a anualidade, não deve ser aplicada

NA TERÇA-FEIRA , seis ministros do Tribunal Superior Eleitoral, liderados pelo presidente da corte, Marco Aurélio Mello, decidiram aplicar a ferro e fogo a verticalização das alianças partidárias. Menos de 48 horas depois, os mesmos magistrados, também capitaneados pelo presidente, voltaram atrás. Restabeleceram as regras de 2002, mas não evitaram o desgaste do TSE.
Um sistema eleitoral que obedece ao princípio da anualidade (art. 16 da Constituição) simplesmente não pode alterar as regras do jogo eleitoral quando faltam menos de 365 dias para o pleito. Não importa se as mudanças venham na forma de lei aprovada pelo Congresso ou de interpretações da lei pelo TSE que modifiquem de fato o "statu quo": se desrespeitam a anualidade, sua aplicação imediata deve ser rechaçada, no caso de diplomas, e evitada, no caso dos juízes.
Em 2002, o TSE passou por cima do princípio ao instituir, a sete meses do escrutínio, a verticalização, restrição às alianças partidárias que não estava expressa em lei nenhuma e que não havia sido aplicada em 1998 -as eleições de 1998 e 2002 foram regidas pela mesma lei, que também está regulando o ciclo de 2006. Na terça-feira passada, a corte ameaçou fazer o mesmo, proibindo legendas sem candidato à Presidência de se coligarem, nos Estados, com siglas que participem do concurso ao Planalto.
Tratava-se, na prática, de uma inovação radical em relação ao que valeu na eleição anterior, quando os partidos sem candidato a presidente ficaram livres para aliar-se a quem desejassem nos pleitos estaduais. A novidade, se tivesse ido à frente, entraria em vigor a dias das convenções partidárias e a menos de quatro meses do escrutínio.
Menos mal, dado o primeiro passo em falso, que a corte tenha restabelecido o ambiente regulatório anterior no que diz respeito às alianças. O que fica difícil de entender é por que o colegiado tomou a primeira decisão de restringir em grau inédito as possibilidades de coligações partidárias. Permitiu-se alterar as regras a menos de um ano do pleito mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal, em 23 de março, defendido corretamente a anualidade contra a emenda que acabava com a verticalização, postergando sua aplicação para 2010.
Custa crer que homens públicos experientes como os ministros da corte eleitoral não tenham conseguido projetar o impacto profundo que teria a sua interpretação de terça-feira no ambiente eleitoral. Infelizmente, fica a impressão de que os magistrados quiseram mesmo endurecer as regras das alianças -o que contradizia a anualidade-, mas acabaram se dobrando à imensa pressão do dia seguinte, da parte dos partidos políticos.
Desfechos como esse nunca são bons para a imagem de um órgão cujo papel é arbitrar eleições com autonomia. O desgaste, que tampouco faz bem à democracia, poderia ter sido evitado se a decisão de terça-feira tivesse levado em conta a anualidade, o que se espera que ocorra daqui por diante sempre que esse tipo de questão estiver em pauta.


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