São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2011

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Justiça desfeita

Supremo liberta Cesare Battisti e mantém decisão de Lula de não extraditar condenado na Itália pelo assassinato de 4 pessoas

Com a decisão final sobre o caso Battisti, o Supremo Tribunal Federal (STF) caiu na armadilha que montou para si próprio.
No final de 2009, quando podia ter atuado como freio e contrapeso ao excesso discricionário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo escolheu abrir mão do papel de último árbitro em questões de extradição. Não lhe restava, pois, mais que referendar a autoimposta limitação.
Cesare Battisti entrou ilegalmente no Brasil em 2004 e foi preso em 2007. Ex-militante de um grupo de extrema-esquerda nos anos 1970, o PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), havia sido condenado à prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas, na Itália, em julgamento à revelia (estava foragido de seu país desde 1981).
Uma vez preso, aqui, despertou uma solidariedade fora de época e de propósito entre ex-militantes de esquerda e antigos adeptos da luta armada, alguns deles guindados ao poder com a eleição de Lula. Então ministro da Justiça, o petista Tarso Genro concedeu-lhe refúgio, nos termos de uma lei de 1997 que previa, na hipótese, o término do processo de extradição.
A alegação de Genro, quase risível, era que Battisti sofreria perseguição política na sua pátria. Como se a Itália não fosse uma democracia plena desde os anos 1940, e dotada de um Poder Judiciário independente, ou como se a sentença do extremista não tivesse transitado em julgado.
Por outro lado, o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, determina que cabe exclusivamente ao STF decidir se pode ser considerado de natureza política um crime atribuído a extraditando. Nesse caso, a lei brasileira não autorizaria prosseguir com a extradição.
Diante da dúvida sobre as competências, o Supremo se propôs a afastá-la. Por maioria de um voto, rejeitou a tese de crime político e sustentou a extradição, de acordo com o tratado sobre o tema que o Brasil firmou com a Itália.
O STF culminou o julgamento, porém, com adendo surpreendente: a palavra derradeira, em matéria de extradição, caberia ao presidente da República. Na prática, transferiu ao comando do Executivo o papel de instância julgadora que a Constituição reserva ao Supremo na questão. Dali em diante, e não só no caso Battisti, a decisão final seria sempre do Planalto.
Lula não se fez de rogado. No último dia de seu governo, lamentavelmente, tomou a decisão que todos temiam: recusou de novo a extradição e permitiu que Battisti ficasse no país como imigrante. O governo italiano recorreu ao STF contra o ato do presidente.
No seu quinto e derradeiro pronunciamento sobre o caso, o Supremo decidiu por seis votos a três que não poderia reverter a medida de Lula. Com isso, o criminoso ganhou a liberdade, e a justiça mais uma vez deixou de se cumprir.


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