São Paulo, quarta, 10 de junho de 1998

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De Rousseau a Krugman

ANTONIO DELFIM NETTO

O velho Rousseau disse no "Émile" que, "como a vida é cheia de perigos, podemos fazer melhor do que enfrentá-los no momento em que eles podem nos fazer o menor mal?". É essa lógica que recomendava a correção do nosso câmbio há algum tempo, quando o mercado internacional estava calmo, a disponibilidade de capitais era imensa, nossas reservas eram robustas, havia fatores de produção disponíveis e havíamos eliminado a indexação salarial. Agora, infelizmente, é tarde. Temos de enfrentar os perigos menos preparados e esperar que com alguma sorte possamos vender a estrangeiros o patrimônio acumulado.
Para confirmar que a vida está cheia de perigos, até a Austrália, saudada e havida como "país de brancos" (Paul Krugman) e com direito a um déficit em conta corrente continuado de 4% do PIB, está sendo sujeita a pressões especulativas devido à queda de suas exportações. Como se sabe, quase a metade do seu comércio externo é feito na região asiática, cujas moedas sofreram forte desvalorização e cujos crescimentos estão altamente comprometidos. Dessa forma, para manter a demanda interna (e seu ritmo de crescimento), a Austrália tem de 1) compensar a redução das exportações para a Ásia com uma expansão para os EUA e a Europa, onde o crescimento do PIB continua, e 2) não permitir uma redução do consumo interno.
Trata-se, portanto, de um dilema: ela não pode usar a taxa de juros (que comanda o nível de atividade) para defender o dólar australiano sem comprometer o seu crescimento e ver aumentar o desemprego, que anda às voltas de 8%. Diante da estimativa de um déficit em conta corrente de mais de 5% do PIB em 1998, é compreensível que haja uma queda do dólar australiano. Esta provavelmente terá pouco efeito para estimular as exportações para a Ásia, mas será importante para ampliar as exportações para EUA e Europa, o que de fato está acontecendo.
O exemplo australiano talvez seja interessante para desmontar algumas falsas teorias que impuseram ao país os "nouveaux économistes". A Austrália tem câmbio flutuante desde 1983, quando ficou claro que com exportações preguiçosas o seu déficit em conta corrente seria insustentável.
Nos três anos que se seguiram à flutuação houve uma desvalorização da ordem de 30% e o volume físico das exportações reagiu fortemente: de uma taxa anual de - 0,6% em 1980/83, elevou-se para 6,5% em 1985/90 e depois manteve-se em torno de 8% no período 1990-97. O gráfico mostra movimentos importantes de desvalorização do câmbio nominal: entre 1980 e 1986, uma desvalorização de 50%; entre 1986 e 1989, uma valorização de 30%; entre 1996 e maio de 1998, uma desvalorização de 25%. O que aconteceu com a taxa de inflação australiana? Caiu continuadamente: de 8,6% ao ano em 1980/85 para 3,3% em 1990/95. Em 1995/97 ela foi de 2,3% e a estimativa para 1998 é da ordem de 1%!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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