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De Rousseau a Krugman
ANTONIO DELFIM NETTO
O velho Rousseau disse no "Émile"
que, "como a vida é cheia de perigos,
podemos fazer melhor do que enfrentá-los no momento em que eles podem nos fazer o menor mal?". É essa
lógica que recomendava a correção do
nosso câmbio há algum tempo, quando o mercado internacional estava
calmo, a disponibilidade de capitais
era imensa, nossas reservas eram robustas, havia fatores de produção disponíveis e havíamos eliminado a indexação salarial. Agora, infelizmente, é
tarde. Temos de enfrentar os perigos
menos preparados e esperar que com
alguma sorte possamos vender a estrangeiros o patrimônio acumulado.
Para confirmar que a vida está cheia
de perigos, até a Austrália, saudada e
havida como "país de brancos" (Paul
Krugman) e com direito a um déficit
em conta corrente continuado de 4%
do PIB, está sendo sujeita a pressões
especulativas devido à queda de suas
exportações. Como se sabe, quase a
metade do seu comércio externo é feito na região asiática, cujas moedas sofreram forte desvalorização e cujos
crescimentos estão altamente comprometidos. Dessa forma, para manter a demanda interna (e seu ritmo de
crescimento), a Austrália tem de 1)
compensar a redução das exportações
para a Ásia com uma expansão para
os EUA e a Europa, onde o crescimento do PIB continua, e 2) não permitir
uma redução do consumo interno.
Trata-se, portanto, de um dilema:
ela não pode usar a taxa de juros (que
comanda o nível de atividade) para
defender o dólar australiano sem
comprometer o seu crescimento e ver
aumentar o desemprego, que anda às
voltas de 8%. Diante da estimativa de
um déficit em conta corrente de mais
de 5% do PIB em 1998, é compreensível que haja uma queda do dólar australiano. Esta provavelmente terá
pouco efeito para estimular as exportações para a Ásia, mas será importante para ampliar as exportações para EUA e Europa, o que de fato está
acontecendo.
O exemplo australiano talvez seja interessante para desmontar algumas
falsas teorias que impuseram ao país
os "nouveaux économistes". A Austrália tem câmbio flutuante desde
1983, quando ficou claro que com exportações preguiçosas o seu déficit em
conta corrente seria insustentável.
Nos três anos que se seguiram à flutuação houve uma desvalorização da
ordem de 30% e o volume físico das
exportações reagiu fortemente: de
uma taxa anual de - 0,6% em 1980/83,
elevou-se para 6,5% em 1985/90 e depois manteve-se em torno de 8% no
período 1990-97. O gráfico mostra
movimentos importantes de desvalorização do câmbio nominal: entre
1980 e 1986, uma desvalorização de
50%; entre 1986 e 1989, uma valorização de 30%; entre 1996 e maio de 1998,
uma desvalorização de 25%. O que
aconteceu com a taxa de inflação australiana? Caiu continuadamente: de
8,6% ao ano em 1980/85 para 3,3% em
1990/95. Em 1995/97 ela foi de 2,3% e a
estimativa para 1998 é da ordem de
1%!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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