São Paulo, quarta, 10 de junho de 1998

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Um ataque à cidadania



Preocupada a Federação em manter os privilégios das estruturas do poder, acrescenta tributos e tira direitos do contribuinte
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Osiris de Azevedo Lopes Filho, em artigo publicado na Folha (pág. 2-2, Dinheiro, 7/6/98), realçou a crescente tendência do governo federal de retirar direitos do contribuinte, restringindo, por sucessivos atos legislativos e normativos, seu direito de defesa.
Essa tendência é coroada com o projeto do deputado Luiz Carlos Hauly, ex-secretário da Fazenda do Paraná, que visa a extinção dos conselhos de contribuintes. No mesmo sentido do texto de Osiris Lopes, o editorial da Folha de anteontem acentua tal preocupante orientação.
A arguta observação do ex-secretário da Receita Federal, que esclarece existirem os conselhos há 62 anos, com excelente contribuição para que se faça justiça fiscal no país, merece algumas reflexões adicionais. A primeira delas é que tanto o deputado Hauly como o governo federal parecem não ter lido o artigo 5º, inciso 55, da Constituição federal, que reza: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
A meu ver, a ampla defesa a que se referia o constituinte de 1988 seria, pelo menos, a garantia dos mecanismos vigentes à época de sua promulgação, visto que qualquer restrição a tais mecanismos representaria reduzir a "ampla defesa" a "defesa menos ampla", em manifesta inconstitucionalidade.
Tenho para mim que toda restrição objetivando cercear o direito de contestação do pagador de tributos (que sustenta o governo federal), com exigências muitas vezes ilegais e fictícias, exterioriza indiscutível atentado à cidadania e vocação totalitária daqueles que querem ter o direito de impor sem que se discutam a legitimidade e a juridicidade de tais exigências.
O mais dramático de violências à cidadania como essa reside no fato de que, apesar de a carga tributária no país chegar a mais de 30% do PIB -nenhum país emergente tem carga superior a 20%-, os serviços públicos que os "cerceadores de defesa" prestam à comunidade são dignos da Etiópia, da Eritréia ou de Ruanda.
Por essa razão, a maior parte dos brasileiros necessita ter planos particulares de saúde e previdência, colocar seus filhos em escolas privadas e manter serviços próprios de segurança, pois o Estado retira um terço da força nacional em tributos para sustentar só as estruturas de poder que beneficiam exclusivamente políticos e burocratas. O que se paga em tributos, infelizmente, não retorna em serviços à sociedade.
Por outro lado, a iníqua política de elevar cada vez mais a carga tributária, ano a ano, tem levado o empresariado nacional à pré-falência, sufocado por excesso de impostos, de juros e de cumulatividade fiscal -que incide somente sobre produtos brasileiros, os quais já são atingidos na sua competitividade pela defasagem cambial.
O Estado suga o cidadão para desperdiçar recursos que só esse cidadão sabe o quanto lhe custou ganhar -embora ganhe cada vez menos, por força da crise econômica, do desemprego e da deterioração do parque empresarial brasileiro nos últimos tempos.
Ora, preocupada a Federação em manter os privilégios das estruturas do poder e não em servir à cidadania, todos os dias acrescenta tributos e retira mais direitos dos contribuintes.
Isso se percebe nas corrosivas normas veiculadas pela lei 9.532/97, que condicionam o recurso ao Conselho de Contribuintes -órgão paritário e que tão bons serviços tem prestado ao país- ao depósito de 30% dos valores em discussão, muitas vezes quantias fictícias, imorais, ilegítimas e ilegais, exigidas por meio de autos de infração.
No momento em que o contribuinte nacional se encontra sem recursos, a empresa brasileira está debilitada e os governos desempenham o papel de autênticos vampiros da sociedade, preocupados apenas em elevar o piso impositivo, a reação de Osiris Lopes é um grito de alerta. Estamos caminhando para a pior das ditaduras, que é a ditadura fiscal -na qual, como ocorreu na história das tiranias, o direito de defesa passa a ser apenas uma "ficção jurídica", sem nenhuma eficácia.
Que meu amigo, o deputado Hauly, esqueça que foi secretário da Fazenda e, lembrando-se de que é representante de um povo esmagado pelo peso fiscal da Federação brasileira, retire seu iníquo projeto de lei objetivando extinguir esse conselho paritário de agentes fiscais e contribuintes, que tem concorrido para a efetividade do "amplo direito de defesa administrativa" assegurado na Constituição.

Ives Gandra da Silva Martins, 63, advogado tributarista, professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista, é presidente da Academia Internacional de Direito e Economia e do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.



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