São Paulo, quarta, 10 de junho de 1998

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Democracia sem apartheid



Lula encerra o semestre situando-se na posição de dirigir o processo de desenvolvimento do povo brasileiro
WALDIR PIRES

O grande fato político deste semestre a findar-se é que Lula o encerra tendo podido reunir as alianças essenciais, situando-se na posição de dirigir o processo democrático de libertação e desenvolvimento do povo brasileiro.
Ele foi capaz de organizar nacionalmente as forças populares em um quadro inédito de frente política, coerente e corajosa, para enfrentar, passo a passo, o velho desafio de acabar com a miséria, o atraso, os medos e as injustiças que oprimem a população.
Nas eleições gerais deste ano, a vitória de Lula é o primeiro passo. Não pode haver vacilação. É a certeza de uma liderança autêntica, íntegra, nascida das raízes profundas da classe trabalhadora, com as marcas familiares da exclusão nordestina somadas às conquistas da vida de trabalhador urbano.
Terá o destino de ser o presidente que eleve a sociedade brasileira, assegure-lhe a paz das ruas e dos lares, valorize o trabalho e o bem-estar do seu povo na juventude e na velhice e estimule as iniciativas e a criatividade das relações econômicas e sociais, para o desenvolvimento de todos e a inserção digna do Brasil no mundo globalizado de hoje.
A eleição de Lula será um acontecimento singular na história dos povos do Brasil e da América Latina. Significará a expectativa de termos um presidente que vem da rica experiência das negociações do trabalho -geralmente difíceis- pacíficas e alvissareiras, promovendo os acordos que impulsionam o progresso econômico no caminho das conquistas sociais.
Será a história de vida da criança nordestina, empurrada pela seca para São Paulo, que chegou às portas da maior cidade industrial do continente para integrar-se na formação da juventude operária e que se capacita, pouco a pouco, dentro da mais forte economia industrial do país, assumindo as responsabilidades da liderança sindical. Assim, vai tornar-se o grande líder dos trabalhadores nas primeiras greves do ABC, ajudando a libertar nosso povo do obscurantismo da ditadura.
Lula experimenta a alegria de enfrentar, etapa por etapa, os embates da valorização do trabalho, na repartição difícil, mas justa, da produtividade alcançada, para o benefício das famílias laboriosas e modestas, com a expansão das oportunidades e dos empregos.
Senta-se à mesa da negociação, sem medo e sem arrogância, negociador competente, sagaz e lúcido, tendo à sua frente no diálogo os grandes patrões da indústria mais poderosa do Brasil.
Propõe os entendimentos razoáveis; quando necessário, sabe pressionar; e avança para compor, na hora certa, o acordo possível, que acrescenta um pouco mais de justiça à vida dos trabalhadores. E assim sucessivamente, anos sem parar, com a indústria e o mercado crescendo.
Fico a imaginar esse negociador nato, inteligente, na Presidência, sentado em nome da nação à mesa das grandes decisões universais, defendendo os interesses do Brasil, para que o mundo reorganize suas relações políticas, econômicas e comerciais.
Para que se redefina a nova ordem internacional na inserção dos países e dos povos, com respeito às necessidades humanas de todos, sob o estímulo do desenvolvimento tecnológico e científico contemporâneo, que revoluciona e multiplica a produção -e que deveria, por isso mesmo, ensejar a sociedade da abundância, não a da escassez e da violência em que vivemos.
Vejo Lula ao lado de outros estadistas da Europa ou da Ásia, da África ou das Américas -os que não capitulam nem se entregam, ajudando a derrotar o neoliberalismo perverso e estéril das estatísticas da fome, no amanhã dos próximos anos, para que se construa, no Brasil e por toda parte, a democracia sem apartheid.
As divergências são sempre naturais e pequenas quando a vontade política de um povo se ergue para afirmar a fraternidade, a solidariedade e o progresso social; para juntar forças e vencer os desvios de um governo que foi aprendendo a tornar-se frio, insensível, a isolar-se na soberba, a esquecer a palavra comprometida e também os dedos da mão que levantou. Fernando Henrique Cardoso já não enganará ninguém.
Lula há de ser presidente. Vai confirmar a sentença de um grande baiano e brasileiro, educador sábio, Anísio Teixeira, que nos alertava: o século 20 ainda não descobriu que a verdadeira revolução é a democracia, porque só ela impõe a transformação do ser humano e das sociedades. A democracia com todos, para todos, que não exclui. Esse é o nosso compromisso.

Waldir Pires, 71, advogado, é membro do Diretório Nacional do PT. Foi deputado federal pelo PSDB da Bahia (1991-95), governador da Bahia (1987-89) e ministro da Previdência Social (governo José Sarney).



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