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JOÃO SAYAD
A ilha
ERA UMA VEZ uma ilha onde
viviam cem pessoas -32
crianças, 32 trabalhadores e
32 aposentados. Mais três economistas: um vermelho, um verde e
um branco. E um presidente que
era sempre reeleito.
Catavam cocos que vendiam a
um dólar cada. O PIB era de US$
100 por ano e de um dólar por habitante. O salário dos adultos era de
US$ 3,13 por ano. Gastavam um dólar com a educação da criançada;
outro dólar para pagar os velhos e o
terceiro para comprar cocos. Os
treze centavos que sobravam iam
para os economistas e o presidente.
A Ilha, apesar de ilha, foi globalizada. Tem um Mc Donald's e a molecada usa Nike. Investiram em
máquinas de catar coco. A produtividade dobrou: o PIB passou para
200 cocos por ano. O mercado de
cocos só absorvia 175 cocos. Quatro
adultos perderam o emprego.
A saúde melhorou e os velhos vivem mais. Passaram a ser 36 velhos, 24 adultos empregados e quatro desempregados.
A ilha virou um paraíso com
câmbio flutuante, metas de inflação e dois problemas: desemprego
e déficit da Previdência. O economista vermelho disse que o problema vinha da distribuição de renda.
Propôs um imposto sobre as máquinas para financiar a aposentadoria dos quatro velhos e o seguro-desemprego dos quatro desempregados. Impossível: com o imposto,
os empresários levariam as máquinas embora.
O economista verde propôs que
todos trabalhassem menos para
que os velhos e os desempregados
pudessem trabalhar. Virou assunto
de piada. O economista branco
propôs produzir cocada para criar
mais empregos. O verde foi contra
porque o doce provocaria cáries e
poluição.
Um economista de outra ilha
disse que o problema macro -desemprego- tinha origem micro -o
déficit da Previdência. Corrigido o
déficit, acabaria o desemprego.
Que os velhos se aposentassem
mais tarde e os empregados pagassem mais para a Previdência. Todas as ilhas do mundo queriam fazer a mesma coisa. E não faziam. O
presidente se convenceu e implementou a reforma.
O desemprego aumentou, com
oito desempregados a mais: quatro
aposentados obrigados a voltar ao
trabalho, mais quatro que foram
demitidos, pois as contribuições de
previdência maiores diminuíram
os salários e a demanda de cocos. A
Previdência não tem mais déficit.
A seleção da Ilha tinha onze craques, onze campeões do ponto de
vista micro. O conjunto macro era
um time de pernas de pau. Perderam a Copa da Micronésia. Moral
da história: é melhor resolver a macro antes da micro. Com o efeito
estufa, a Ilha foi coberta pelo mar e
não existe mais.
jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas nesta coluna.
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