São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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Leilão distributivo

Na campanha sucessória, o debate em torno do programa Bolsa Família se enreda em contradições e preconceitos ideológicos

Poucos temas, neste início de campanha eleitoral, cercam-se de tantos preconceitos e tabus quanto o do Bolsa Família.
Petistas e tucanos, não sem motivos, podem reivindicar a paternidade da ideia, cujos primeiros ensaios se deram em Campinas, com o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB), e no Distrito Federal, no governo do então petista Cristovam Buarque. Lembre-se ainda o papel de um puro pefelista -Antônio Carlos Magalhães- na criação, pelo Congresso, do fundo que viria a financiar as medidas redistributivas do governo FHC, ampliadas consideravelmente por seu sucessor.
Ao mesmo tempo em que, na prática, dissolve-se a exclusividade de um partido na implantação do programa, é inegável que setores de direita e de esquerda compartilham de certo desconforto ideológico diante da questão.
Do ponto de vista mais conservador, inspirado nas críticas da direita americana ao "welfare state", manifesta-se a reticência diante do que poderia consistir num prêmio à acomodação. No campo da esquerda ortodoxa, somente o pragmatismo partidário abafa as reações de desdém, antes frequentes, em face do aspecto paliativo de tais programas.
Os dois pontos de vista serviram para que o termo "bolsa-esmola" viesse a ser utilizado para desqualificar a iniciativa, conforme fosse petista ou peessedebista a administração que a implementasse. O fato é que, na campanha, desaparecem as ressalvas de praxe.
Temendo ser identificado com os adversários do programa, o tucano José Serra promete duplicar sua abrangência. Não é errado, pois além das 12,6 milhões de famílias que já se beneficiam do sistema, mais 15 milhões continuam abaixo da linha de pobreza. "Não se trata de duplicar ou triplicar", reage a petista Dilma Rousseff, "mas de chegar a quantas famílias forem necessárias". O que, pensando bem, não é muito diferente do que dissera seu opositor.
Vale lembrar, em todo caso, que um dia depois do arroubo distributivo do tucano, providenciou-se uma ampliação dos programas de transferência de renda no Estado de São Paulo, que haviam encolhido na gestão de Serra.
O atual secretário de Assistência Social refuta acusações de adequação oportunista à agenda do candidato. "Nem sabia disso! Faz dois anos que não falo com ele."
A frase poderia ser utilizada na campanha petista, aliás, como sinal de desinteresse do tucano nessa área. Melhor, em todo caso, do que jactar-se de ter "o social" no DNA, como fez Marina Silva, num infeliz momento darwinista.
A candidata do PV cogita, igualmente, de constituir um corpo de atendentes para que o Bolsa Família passe a ser não apenas um programa de transferência de renda mas também de promoção econômica e social. Proposta duvidosa, pelos gastos envolvidos na criação de uma vasta camada funcional, facilmente instrumentalizável, de resto, para fins políticos.
Nas ambiguidades ideológicas e nos rumores que cercam o tema, há de todo modo um componente de contradição real no Bolsa Família: assim como é importante mantê-lo e ampliá-lo, não há dúvida de que o ideal seria o programa se tornar desnecessário.
Num paradoxo, faz sentido que o Bolsa Família cresça, e que diminua ao longo do tempo. As chamadas "portas de saída" dificilmente se prestam a discussões sérias, todavia, quando está em curso o leilão eleitoral dos seus benefícios.


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