|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Leilão distributivo
Na campanha sucessória,
o debate em torno do programa Bolsa Família se enreda em contradições e preconceitos ideológicos
Poucos temas, neste início de
campanha eleitoral, cercam-se de
tantos preconceitos e tabus quanto o do Bolsa Família.
Petistas e tucanos, não sem motivos, podem reivindicar a paternidade da ideia, cujos primeiros
ensaios se deram em Campinas,
com o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB), e no Distrito Federal, no governo do então
petista Cristovam Buarque. Lembre-se ainda o papel de um puro
pefelista -Antônio Carlos Magalhães- na criação, pelo Congresso, do fundo que viria a financiar
as medidas redistributivas do governo FHC, ampliadas consideravelmente por seu sucessor.
Ao mesmo tempo em que, na
prática, dissolve-se a exclusividade de um partido na implantação
do programa, é inegável que setores de direita e de esquerda compartilham de certo desconforto
ideológico diante da questão.
Do ponto de vista mais conservador, inspirado nas críticas da direita americana ao "welfare state", manifesta-se a reticência
diante do que poderia consistir
num prêmio à acomodação. No
campo da esquerda ortodoxa, somente o pragmatismo partidário
abafa as reações de desdém, antes
frequentes, em face do aspecto paliativo de tais programas.
Os dois pontos de vista serviram
para que o termo "bolsa-esmola"
viesse a ser utilizado para desqualificar a iniciativa, conforme fosse
petista ou peessedebista a administração que a implementasse. O
fato é que, na campanha, desaparecem as ressalvas de praxe.
Temendo ser identificado com
os adversários do programa, o tucano José Serra promete duplicar
sua abrangência. Não é errado,
pois além das 12,6 milhões de famílias que já se beneficiam do sistema, mais 15 milhões continuam
abaixo da linha de pobreza. "Não
se trata de duplicar ou triplicar",
reage a petista Dilma Rousseff,
"mas de chegar a quantas famílias
forem necessárias". O que, pensando bem, não é muito diferente
do que dissera seu opositor.
Vale lembrar, em todo caso, que
um dia depois do arroubo distributivo do tucano, providenciou-se uma ampliação dos programas
de transferência de renda no Estado de São Paulo, que haviam encolhido na gestão de Serra.
O atual secretário de Assistência Social refuta acusações de adequação oportunista à agenda do
candidato. "Nem sabia disso! Faz
dois anos que não falo com ele."
A frase poderia ser utilizada na
campanha petista, aliás, como sinal de desinteresse do tucano nessa área. Melhor, em todo caso, do
que jactar-se de ter "o social" no
DNA, como fez Marina Silva, num
infeliz momento darwinista.
A candidata do PV cogita, igualmente, de constituir um corpo de
atendentes para que o Bolsa Família passe a ser não apenas um programa de transferência de renda
mas também de promoção econômica e social. Proposta duvidosa,
pelos gastos envolvidos na criação de uma vasta camada funcional, facilmente instrumentalizável, de resto, para fins políticos.
Nas ambiguidades ideológicas
e nos rumores que cercam o tema,
há de todo modo um componente
de contradição real no Bolsa Família: assim como é importante
mantê-lo e ampliá-lo, não há dúvida de que o ideal seria o programa
se tornar desnecessário.
Num paradoxo, faz sentido que
o Bolsa Família cresça, e que diminua ao longo do tempo. As chamadas "portas de saída" dificilmente
se prestam a discussões sérias, todavia, quando está em curso o leilão eleitoral dos seus benefícios.
Próximo Texto: Editoriais: Divórcio imediato
Índice
|