São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Cazuza, 20 anos depois

SÃO PAULO - "A letra de "Ideologia" fala sobre a minha geração, sobre o que acreditava quando tinha 16, 17 anos. E sobre como eu estou hoje. Eu achava que tinha mudado o mundo e que, dali para a frente, as coisas avançariam mais ainda. Não sabia que iria acontecer esse freio. É como se agora a gente tivesse que pagar a conta da festa."
Este é Cazuza, falando sobre uma de suas canções mais brilhantes e famosas, no livro "Preciso Dizer Que Te Amo - Todas as Letras do Poeta", publicado em 2001.
Completaram-se, nesta semana, 20 anos da morte do compositor, em 1990, aos 32 anos. E é, sim, o caso de mais uma vez "constatar com assombro a intensidade do sentimento que atravessou a música brasileira na pessoa desse menino de Ipanema", como diz na orelha (de Eurídice?) Caetano Veloso.
Mas de que "freio" fala Cazuza? E que "festa" é essa que vem cobrar seu preço? Pensamos logo -e com razão- na praga da Aids. A epidemia, avassaladora, varreu os anos 80 acompanhada pela condenação moralista da liberação sexual experimentada nas décadas anteriores.
O contravapor conservador que apanhou a juventude recém-saída da ditadura e sedenta dos ares do mundo foi, no Brasil, simultâneo à travessia penosa da chamada "década perdida". A democratização nos permitiu ver o país que patinava, atolado em corrupção, inflação, atraso e desigualdade.
"Brasil, mostra a tua cara/ Quero ver quem paga/ Pra gente ficar assim/ Brasil, qual é o teu negócio?/ O nome do teu sócio?/ Confia em mim". Quem não se lembra? Hoje já é possível ter alguma perspectiva histórica sobre as implicações desastrosas daquele período.
A experiência do revés, da frustração, do trauma, atravessa e marca a geração de Cazuza, do sexo à política. Há um sentido de urgência, uma espécie de SOS histórico e subjetivo em suas canções -como em Renato Russo. Os bons morrem jovens, assim parece ser. Saudade deste anjo gauche da MPB.


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