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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Cazuza, 20 anos depois
SÃO PAULO - "A letra de "Ideologia" fala sobre a minha geração, sobre o que acreditava quando tinha
16, 17 anos. E sobre como eu estou
hoje. Eu achava que tinha mudado
o mundo e que, dali para a frente,
as coisas avançariam mais ainda.
Não sabia que iria acontecer esse
freio. É como se agora a gente tivesse que pagar a conta da festa."
Este é Cazuza, falando sobre uma
de suas canções mais brilhantes e
famosas, no livro "Preciso Dizer
Que Te Amo - Todas as Letras do
Poeta", publicado em 2001.
Completaram-se, nesta semana,
20 anos da morte do compositor,
em 1990, aos 32 anos. E é, sim, o caso de mais uma vez "constatar com
assombro a intensidade do sentimento que atravessou a música
brasileira na pessoa desse menino
de Ipanema", como diz na orelha
(de Eurídice?) Caetano Veloso.
Mas de que "freio" fala Cazuza? E
que "festa" é essa que vem cobrar
seu preço? Pensamos logo -e com
razão- na praga da Aids. A epidemia, avassaladora, varreu os anos
80 acompanhada pela condenação
moralista da liberação sexual experimentada nas décadas anteriores.
O contravapor conservador que
apanhou a juventude recém-saída
da ditadura e sedenta dos ares do
mundo foi, no Brasil, simultâneo à
travessia penosa da chamada "década perdida". A democratização
nos permitiu ver o país que patinava, atolado em corrupção, inflação,
atraso e desigualdade.
"Brasil, mostra a tua cara/ Quero
ver quem paga/ Pra gente ficar assim/ Brasil, qual é o teu negócio?/ O
nome do teu sócio?/ Confia em
mim". Quem não se lembra? Hoje já
é possível ter alguma perspectiva
histórica sobre as implicações desastrosas daquele período.
A experiência do revés, da frustração, do trauma, atravessa e marca a geração de Cazuza, do sexo à
política. Há um sentido de urgência, uma espécie de SOS histórico e
subjetivo em suas canções -como
em Renato Russo. Os bons morrem
jovens, assim parece ser. Saudade
deste anjo gauche da MPB.
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