São Paulo, domingo, 10 de julho de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Integridade na esfera pública SANDRA JOVCHELOVITCH
A demissão do ministro dos Transportes apenas um mês depois do caso Palocci põe em evidência o avatar profundo que liga a corrupção à esfera pública brasileira. Em vez de ação rápida e da instauração de procedimentos para buscar a verdade, o que vimos no primeiro caso foi um aparato governamental e partidário para proteção do indivíduo acusado; no segundo, vimos uma demissão sem responsabilização. Com Palocci, a presidente esperou 23 dias para agir, e o fez quando uma crise de credibilidade no governo parecia inevitável. No caso Nascimento, os atos ilícitos ocorreram quando ele era ministro. Se ele sabia, foi conivente; se não sabia, foi incompetente. Isso, entretanto, não afeta sua legitimidade para indicar o sucessor. A complacência que marca a postura oficial com esses casos expressa tanto as dificuldades da institucionalidade e do exercício do poder no Brasil como a relativa facilidade com que políticos brasileiros em posições de poder desprezam a necessidade da prestação de contas e da transparência no comportamento público. Todos os indícios apontam para a corrupção, que na sua definição mais simples envolve quebra de barreiras entre o público e o privado. O uso de identidade pública a serviço de interesses privados é a lógica que guia o tráfico de influências e a propina, alguns de seus exemplos mais claros. Se for constatado que os ex-ministros usaram sua persona pública para avançar seus interesses privados, terão maculado um dos princípios fundamentais das esferas públicas democráticas: a separação, com fronteiras claras e legisladas, entre Estado, mercado e esfera pessoal e de relações de parentesco. Que as denúncias tenham vindo à tona pela imprensa e que a força da opinião pública tenha impactado no desdobramento dos episódios são bons sinais para o Brasil. Tanto imprensa livre como opinião pública forte são essenciais para redimensionar esferas públicas e para reconfigurar a imaginação social que as acompanha. Ao Brasil não cabe mais a complacência nem a conivência no tratamento de qualquer suspeita de corrupção. Não se trata mais de comportamentos individuais e de episódios que passarão sem consequências. Trata-se, sim, da construção de uma imagem e de um imaginário que posicionem o Brasil enquanto nação, tanto dentro como fora de suas fronteiras. Seu novo lugar no cenário internacional e o imenso potencial como nação democrática de identidade cultural híbrida exigem procedimentos robustos, que destruam a ideia de impunidade e de retorno adiante, quando a fragilidade da precária memória nacional deixar. Apurar os fatos, punir -se comprovada corrupção- e recordar para não repetir: aí está um requisito fundamental para mudar o exercício do poder e para impor novos significados e práticas, que sustentem a integridade da esfera pública no Brasil. SANDRA JOVCHELOVITCH, 51, é psicóloga social e professora titular da London School of Economics and Political Science (Reino Unido). Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Babatunde Osotimehin: Rumo a um mundo de 7 bilhões de pessoas Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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