São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2000


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Ministro Marco Aurélio, qual é a dele?


"A do ministro" é a da defesa intransigente do Direito, é a da atenção inabalável na defesa dos interesses dos mais fracos


AMÉRICO LACOMBE,
CELSO BANDEIRA DE MELLO e
FABIO KONDER COMPARATO


Quando o ministro Marco Aurélio foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal, seu nome, para dizer o mínimo, foi recebido com grandes restrições por parte dos advogados, tendo em vista o fato de ser primo do destituído chefe do Executivo, que foi quem o nomeou.
Hoje o respeito e a admiração que granjeou no meio jurídico são de tal ordem que, quando o ministro comparece a encontros de advogados ou juízes, sua entrada é sempre saudada com uma verdadeira aclamação. Por quê? Porque "a do ministro" -com o perdão da expressão prosaica e do título deste artigo, talvez até mesmo desrespeitoso- é a da defesa intransigente do Direito; é a da mais inabalável independência, jamais se curvando à tendência de considerar indulgentemente atos praticados pelo governo apenas por provirem do poder. Seu ofício não é o de administrar, mas o de julgar, o que exige um exame isento: se lisos perante o Direito, reconhece-lhes a validade; se afrontosos ao Direito, seu voto os fulmina. "A dele" é o compromisso com os valores constitucionais; é a da atenção firme e inabalável na defesa dos interesses dos mais fracos, reverente aos valores sociais insculpidos na Lei Magna.
O Direito não é uma matemática, não é uma ciência exata. Se o fosse, os magistrados poderiam ser substituídos -e com vantagens- por computadores. Por isso, os juízes divergem entre si e qualquer pessoa da área jurídica pode entender que a solução de tal ou qual caso deveria ser outra, e não a que foi adotada. Por isso, quem é do ramo, sobretudo não conhecendo os autos do processo e os contornos jurídicos atinentes aos aspectos específicos da questão debatida em um caso concreto, guarda-se de cometer o dislate ou a irresponsabilidade de fazer juízos açodados que ponham em causa a honorabilidade dos julgadores.
Leigos em Direito, entretanto, têm a tendência de falar sobre ele com uma desenvoltura que não teriam se se tratasse de medicina ou de antropologia. Por isso, além de "julgar" os casos de acordo com o "clamor público" -que é o mesmo que leva a linchamentos-, ainda "julgam o julgador", esquecendo que, no Estado de Direito, paga-se um preço pela garantia de todos e de cada um, de tal forma que só após a conclusão de um processo regular é que se pode obter uma certeza jurídica. A falta dessa serenidade é que leva a casos dolorosos, como o da tristemente famosa Escola Base.
Logo, mesmo quando se acredita firmemente que em dada situação a providência judicial adequada deveria ser outra, precisamos evitar precipitações. Assim deve ser perante a função judicante em geral. Que dizer, então, de seu exercício perante o mais alto tribunal do país? O Supremo Tribunal Federal já não tem hoje apenas a magna função de atuar como guarda da Constituição. Nessa quadra sombria da vida nacional, compete-lhe algo ainda mais importante: servir como último baluarte da defesa da dignidade do povo brasileiro e da independência do país, severamente ameaçadas pela ação das grandes potências estrangeiras e das empresas multinacionais.
Ora, no desempenho individual dessa elevada missão, o ministro Marco Aurélio tem se destacado pela sua intransigente independência em relação ao governo federal e às forças políticas que o apóiam, habitualmente submissas às pressões antinacionais. Ele não se presta ao trabalho pouco edificante de pedir vista de autos, a fim de retardar indefinidamente o julgamento de processos em que o governo corre o risco de sair perdendo. Ele nunca se mostrou complacente com o abuso de medidas provisórias nem com a intromissão escandalosa do Planalto no funcionamento dos tribunais federais. Ele jamais foi visto em reuniões domésticas com o presidente da República nem o acompanhou em vilegiaturas privadas.
Não é, portanto, mera coincidência se o ministro Marco Aurélio, que deverá proximamente assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, se vê, hoje, junto com os valorosos procuradores da República, como o alvo preferencial de uma campanha difamatória nos meios de comunicação de massa.
O que está em jogo, entretanto, repita-se, não é pouco coisa: a guarda da Constituição e a defesa do interesse nacional.


Américo Lourenço Masset Lacombe, 64, advogado, foi presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Celso Antônio Bandeira de Mello, 63, é advogado e professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da PUC-SP. Fabio Konder Comparato, 63, é advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor "honoris causa" da Faculdade de Direito de Coimbra.



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