São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

Chega de patinação

Parece intuitivo que os mercados financeiros devem responder antecipadamente às políticas "esperadas" que prometem reduzir o déficit nominal e a relação entre a dívida (líquida ou bruta) e o PIB. É intuitivo, também, que essa resposta seja difícil de ser medida porque deve variar no tempo e de acordo com a credibilidade que a "novidade" desperta nos agentes. Ela depende das "expectativas" de dispêndio do governo e dos respectivos déficits (que comandarão a dívida) que se realizarão (ou não!) nos exercícios futuros. Como esses são inobserváveis por antecipação, se a manobra prometida não for crível, isto é, não decorrer de um comprometimento "duro", nada acontecerá.
Nos EUA, depois da Lei Gramm-Rudman-Holling de 1985 e do Ato do Orçamento de 1990, processou-se uma verdadeira experiência de laboratório. Depois de o déficit ter atingido o máximo de US$ 290 bilhões em 1992, ele declinou para US$ 22 bilhões em 1997 e transformou-se em superávit de US$ 70 bilhões em 1998. Este atingiu o seu máximo (US$ 240 bilhões) em 2000, no final do governo Clinton. No governo Bush os déficits voltaram (depois de setembro de 2001). O ano de 2004 registrou um déficit de US$ 410 bilhões e uma dívida do Tesouro de US$ 7,6 trilhões (US$ 2 trilhões nas mãos de não-residentes). Um cuidadoso estudo do problema (Elmendorf, D.W. "The Effect of deficit-reduction laws on real interest rates", Federal Reserve Board, Out. 1996), concluiu que "a resposta da taxa de juro real às modificações esperadas na política fiscal correspondeu fortemente à prevista pela teoria econômica: política fiscal mais expansionista eleva a taxa de juro real..."
Estudo mais recente utilizando sofisticado método econométrico ("panel data") para trabalhar simultaneamente com séries de tempo e vários países confirmou o sinal positivo entre a relação dívida/PIB e a taxa de juro real. Talvez uma parte da redução da taxa de juro real observada no mundo a partir do final dos anos 90 se deva à queda generalizada da relação dívida bruta do setor público/PIB, observada num grande número de países como se vê abaixo:




Houve algum aumento de endividamento (França, Itália e Japão, devido à redução do crescimento). Mas o Brasil é uma clara exceção, não apenas pela direção (é o único que aumentou a dívida/PIB) mas porque é o 12º país mais endividado numa lista de 13! Isso sem falarmos na "qualidade estrutural" da nossa dívida e do seu prazo médio. Como parece evidente, o "peso" da dívida sobre o PIB é um fenômeno do tipo hidráulico, pois depende do seu prazo médio, o que agrava nosso problema.
Sem um ato dramático e definitivo de ajuste (como fizeram outros países), vamos continuar a patinar com crescimento medíocre e taxa de juros reais que continuarão a estimular o "rentismo" internacional que hoje delicia o Banco Central.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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