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JOSÉ SARNEY
Devemos ir à igreja
HÁ CERCA de cinco anos fui
convidado pela ONU para
uma conferência sobre tecnologia e direitos individuais em
Bilbao, na Espanha.
Dela participavam grandes nomes da ciência política, como Manuel Castells, que teve brilhante
intervenção sobre as conseqüências em nossas vidas da inesperada
e transformadora tecnologia da informação. As descobertas ressuscitaram as tendas dos alquimistas, e
delas surgiram, em vez de poções
mágicas, vozes que não se perdem,
visões de tudo em todos os lugares
e ao mesmo tempo, falar com todos
em qualquer lugar do mundo. E tudo em telinhas que cabem na palma das mãos.
A grande pergunta é o que acontecerá com a cabeça dessa geração
que passou da cultura oral para a
visual. A privacidade, que era uma
graça do homem liberto dentro de
si mesmo, passou a ser devassada
por tudo e por todos num mundo
globalizado. Nos telefones não falamos mais entre duas pessoas,
mas em simpósios, pois todos escutam tudo. A voz é uma impressão
digital que pode ser capturada no
ar pelos impulsos elétricos de máquinas cada vez mais sofisticadas.
As câmeras podem ser embutidas
num botão ou em qualquer lugar e
captam as coisas mais íntimas. Há
até um fato pitoresco no Japão, onde resolveram fazer vagões de metrôs separados para as mulheres se
protegerem de câmeras que, colocadas no bico dos sapatos, bisbilhotavam o interior das saias e os mistérios ali contidos.
Foi o chegar da era -tida como
loucura- imaginada por George
Orwell no livro "1984", onde criou
a figura do Big Brother (não confundir com o programa de TV), que
usava o Ministério da Verdade para
espionar e dar ordens a todos os
habitantes do seu país imaginário.
Cada vez mais nos sentimos sem
direito à solidão e à privacidade,
medrosos de estarmos sendo espionados, cercados de agentes eletrônicos. O homem acabará no dia
em que ele descobrir a máquina de
ler o pensamento. Aí, como ninguém pode deixar de pensar, nascerá o reino da infelicidade. Será o
fim. Já não estarei mais vivo quando descobrirem essa, mas, como
com o tempo descobrem tudo, e,
dizia Vieira com a saudade, tenho
pena do futuro.
Tudo isso para dizer que o Denatran determinou mais um avanço
na nossa privacidade: nosso carro
será acompanhado dia e noite e
dentro dele haverá caixas-pretas
"para revelar acidentes".
Quem lucra com isso? As seguradoras, os produtores desses equipamentos e os bisbilhoteiros.
Quem perde? Mais um pedaço de
nossa liberdade e a descoberta de
onde viemos e para onde vamos.
Ainda bem que só vou à igreja. Mas
os que vão a outros locais que se
cuidem.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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