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A besta humana
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Título de um dos romances mais populares de Zola, filmado por Jean Renoir com Jean Gabin no
papel principal, "A Besta Humana"
tem um trecho clássico a respeito da
anormalidade dentro da normalidade. Descrevendo a locomotiva "Lisa",
da qual o maquinista Jacques Lantier
saltaria para a morte, Zola diz que o
acaso da fundição dera ao aço da máquina, aos rebiques, ao seu ventre de
fogo uma espécie de alma, tornando-a
um animal de ferro vivo, fora-de-série.
O mesmo aconteceria com o homem
que a dominava. Na máquina, o acaso
da fundição fizera uma obra-prima.
No cérebro de Lantier, o acaso faria
dele uma besta humana. Acharam que
Zola exagerava. Mas a repetição dos
assassinatos em série mostra que o autor, antes de Freud, detectou e descreveu anomalias de comportamento sexual cujas causas, até hoje, permanecem nebulosas. Conhecemos apenas os
efeitos.
O maníaco do parque, que confessou
nove assassinatos de mulheres, por
mais horror que cause à sociedade, é
um caso que se repete ciclicamente em
diversos lugares e tempos. Jack, o Estripador, foi um maníaco que atuava
na Londres vitoriana. Nunca seria
identificado. O Vampiro de Dusseldorf, que virou filme de Fritz Lang,
com Peter Lorre no papel-título, baseou-se numa história real.
Nos anos 70, em São Paulo, Chico
Picadinho cometeu crimes iguais, foi
preso, teve bom comportamento carcerário, leu autores russos na prisão, peritos e psicólogos o examinaram e pediram sua libertação. Solto, pouco depois ele voltou a matar mulheres do
mesmo modo.
Se uma locomotiva feita em série
tem acasos de fabricação que a tornam melhor ou pior do que suas irmãs
de produção, não será o instinto humano, feito artesanalmente, que terá
uma regra comum. Como a sociedade
se baseia no homem comum, fica sem
saber o que fazer com as bestas que
nascem dentro dela.
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