São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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A besta humana

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Título de um dos romances mais populares de Zola, filmado por Jean Renoir com Jean Gabin no papel principal, "A Besta Humana" tem um trecho clássico a respeito da anormalidade dentro da normalidade. Descrevendo a locomotiva "Lisa", da qual o maquinista Jacques Lantier saltaria para a morte, Zola diz que o acaso da fundição dera ao aço da máquina, aos rebiques, ao seu ventre de fogo uma espécie de alma, tornando-a um animal de ferro vivo, fora-de-série.
O mesmo aconteceria com o homem que a dominava. Na máquina, o acaso da fundição fizera uma obra-prima. No cérebro de Lantier, o acaso faria dele uma besta humana. Acharam que Zola exagerava. Mas a repetição dos assassinatos em série mostra que o autor, antes de Freud, detectou e descreveu anomalias de comportamento sexual cujas causas, até hoje, permanecem nebulosas. Conhecemos apenas os efeitos.
O maníaco do parque, que confessou nove assassinatos de mulheres, por mais horror que cause à sociedade, é um caso que se repete ciclicamente em diversos lugares e tempos. Jack, o Estripador, foi um maníaco que atuava na Londres vitoriana. Nunca seria identificado. O Vampiro de Dusseldorf, que virou filme de Fritz Lang, com Peter Lorre no papel-título, baseou-se numa história real.
Nos anos 70, em São Paulo, Chico Picadinho cometeu crimes iguais, foi preso, teve bom comportamento carcerário, leu autores russos na prisão, peritos e psicólogos o examinaram e pediram sua libertação. Solto, pouco depois ele voltou a matar mulheres do mesmo modo.
Se uma locomotiva feita em série tem acasos de fabricação que a tornam melhor ou pior do que suas irmãs de produção, não será o instinto humano, feito artesanalmente, que terá uma regra comum. Como a sociedade se baseia no homem comum, fica sem saber o que fazer com as bestas que nascem dentro dela.



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