São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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A venda da Telebrás

BORIS FAUSTO

A venda do Sistema Telebrás é um acontecimento relevante que, intermitentemente, vai ocupar a atenção da mídia e do público durante semanas, meses e anos.
Antes de examinar as projeções para o futuro, vale a pena ressaltar um aspecto formal da venda. Realizada em pleno ano eleitoral, a transação, de enormes proporções, não gerou suspeitas e menos ainda acusações sérias de favorecimento. Isso não é pouco, em um país marcado pela corrupção, tanto no nível do Estado quanto em setores da sociedade.
Convém ressaltar de passagem que, ao aludir a acusações sérias, deixo de lado as lançadas pelo presidente do PT e pelo candidato do partido, que não passaram de palavras ao vento, levadas à conta de uma paixão partidária irresponsável.
Descartada a discussão nesse terreno, convém lembrar que a venda das estatais não representa uma unanimidade nacional. É explicável que assim seja, não só porque a divergência de rumos a seguir constitui o tecido de uma sociedade que se quer democrática, como também porque a ideologia nacionalista foi um traço dominante de nossa história, desde 1930.
Rever essa ideologia representa um considerável esforço, sobretudo se considerarmos que ela esteve associada, em maior ou menor grau, ao que se convencionou chamar de idéias progressistas e ao pensamento de esquerda. Seja como for, depois de muita água ter corrido sob a ponte, considerar a venda dos serviços de telefonia como "um crime de lesa-pátria", um atentado à soberania, ou à segurança nacional, soa como figura de retórica eleitoral, com ressaibos de uma ideologia que imperou durante o regime militar.
Mas nem por isso estamos navegando em um mar de rosas. Se os problemas e os desafios representados pelas privatizações são outros, isso não quer dizer que não sejam bastante sérios. Está em jogo, entre outras coisas, a capacidade do Estado brasileiro de exercer o novo papel que lhe vem sendo atribuído pelos objetivos da ação governamental, no sentido de atuar como agente regulador da economia e não como agente econômico. Essa tarefa é particularmente relevante no caso do Sistema Telebrás.
Não custa lembrar, pois há quem se esqueça, que o objetivo básico da privatização é o de acabar com as imensas filas de espera por um simples telefone, melhorar a qualidade dos serviços e fixar tarifas ao alcance dos usuários. Embora as metas tenham sido definidas contratualmente, a experiência demonstra que seu cumprimento depende da capacidade de atuação eficaz das agências regulatórias -em primeiro lugar a Anatel-, que precisam estar dotadas de instrumentos legais, possibilitando, se necessário for, a imposição de sanções a empresas faltosas. A controvérsia que se abriu nestes dias, em torno das obrigações do consórcio vencedor do leilão da Tele Norte Leste, é, aliás, um exemplo revelador.
Se os esforços deste e de futuros governos caminharem na direção apontada, se uma oposição fiscalizadora cumprir sua tarefa, o país terá dado passos importantes no rumo da reformulação do papel do Estado e, sobretudo, no atendimento de uma necessidade da população.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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