São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Os objetos

SÃO PAULO - Em 1989, logo após ser derrotado por Fernando Collor de Mello, Luiz Inácio Lula da Silva desabafou entre amigos: "Êta povinho b...".
Agora, prestes a conseguir sua segunda vitória consecutiva em pleitos presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva alça o "povinho", antes "b...", à condição de santo e sábio.
E diz, com razão, que a oposição quer mudar o povo para poder ganhar a eleição, o que é o mesmo que dizer que, agora, quem acha o "povinho b..." é a oposição, a mesma que santificava o povo quando elegia e reelegia Fernando Henrique Cardoso.
Vamos ser honestos ao menos uma vez na vida, vai, e reconhecer o seguinte: o tal de povo não é "lulista", "fernandista" ou qualquer outro "ista". Afinal, derrotou Lula em quatro de suas cinco tentativas de conseguir emprego no Executivo (uma para governador de São Paulo, em 1982, e três para a Presidência -1989, 1994 e 1998).
Deve ter tido, portanto, muito mais motivos e ocasiões para desejar trocar o povo do que para santificá-lo como agora.
O eleitorado está, sim, "lulista" agora, como foi "collorido" há 17 anos, sejam quais forem os motivos que o levaram a tais escolhas.
O problema não é o tal de povo ser santo, sábio ou "b...". O problema é ser eternamente objeto, e não agente de sua própria história. O problema é ser pobre demais, desarticulado e desorganizado demais, a ponto de precisar, eternamente, de alguém que se faça de "pai" dele, de campeão dos desvalidos, que, não obstante, continuam desvalidos depois que o "pai" deixa de fingir que é pai, vai para o ostracismo ou morre.
O Brasil só será um país mais ou menos decente na hora em que o tal de povo puder falar por sua própria voz, em vez de depender de intérpretes que ora o santificam, ora o desprezam, na dependência de suas fortunas eleitorais.


crossi@uol.com.br

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