São Paulo, segunda-feira, 10 de setembro de 2007

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ALBA ZALUAR

E os ameríndio-descendentes?

O CONGRESSO da Associação de Estudos Latino-americanos reuniu-se em Montreal com um grande número de participantes e temas de discussão. Não poderiam faltar os pós. Um dos mais interessantes foi o pós-Consenso de Washington, que, na verdade, apresentou novo consenso em torno do politicamente correto.
Desde Washington, propõe-se a ação afirmativa, a democracia participativa e aquilo que um brilhante expositor chamou do africanismo na política do Banco Mundial e demais bancos para o desenvolvimento dos países da América Latina.
Ao transformar as demandas do movimento negro em políticas de Estado, ao incorporar seus líderes em ministérios, ao eleger as organizações não-governamentais como representantes da "sociedade civil" e recipientes das verbas para a integração dos excluídos, a governabilidade melhorou, mas a autonomia do movimento social, baseada no trabalho voluntário e na independência diante das burocracias governamentais, foi abalada.
Pior, esqueceram-se dos descendentes de ameríndios. Os líderes indígenas dos países latino-americanos onde esta população predomina cunharam uma irônica frase: "Entramos negros, saímos afro-descendentes".
Dados da pesquisa de vitimização realizada há pouco nas favelas do Rio de Janeiro revelam efeitos não esperados da política de cotas adotada pelas universidades públicas. Quando se examinou a escolaridade dos favelados, veio a surpresa.
Enquanto 70% dos favelados têm ensino fundamental, 23% ensino médio e 1,8% ensino superior nas médias das cores branca, preta e parda, o quadro muda quando se cotejam as três cores. Um percentual mais alto dos pretos (2,9%) apareceu em comparação com os 2% de brancos e o 0,9% de pardos, majoritariamente ameríndio-descendentes. Os intervalos de confiança têm mantido a tendência.
Destes 2,9% de pretos que chegaram à universidade não há mulheres. Seriam então 7,7% de homens pretos e favelados que entraram ou concluíram o ensino universitário na amostra de 660 pessoas de 15 anos e mais entrevistadas. Os homens de cor de pele preta, mais visivelmente afro-descendente do que os pardos e brancos, estão de parabéns.
Mas por que a política de cotas não está beneficiando igualmente homens e mulheres, ou pardos e pretos, igualmente pobres ou até mesmo os brancos favelados que têm renda apenas ligeiramente superior?
As políticas públicas que pretendem instituir a eqüidade devem ser permanentemente examinadas, e seus resultados, avaliados, para que não se instituam novas desigualdades e injustiças.


ALBA ZALUAR 0escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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