São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

TENDÊNCIAS/DEBATES

Redução de danos

EDUARDO JORGE MARTINS ALVES SOBRINHO


Resolução determina, desde 2002, que, em janeiro de 2009, será fornecido diesel mais limpo para consumo dos veículos no Brasil

NOS ANOS de 2002 e 2003, administradores municipais do SUS (Sistema Único de Saúde) descobriram, finalmente e com espanto, o impacto da cultura da violência na mortalidade e na morbidade.
Particularmente, os acidentes com armas de fogo e no trânsito impediam que os indicadores da expectativa de vida do país avançassem em ritmo compatível com nossos esforços pela universalização da atenção à saúde.
Isso motivou o forte apoio que o Conselho Nacional de Secretários de Saúde deu ao então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos na campanha pelo desarmamento, organizando caravanas em todos os Estados.
Foram recolhidas mais de 4.000 armas, impactando nos índices de acidentes nos anos seguintes.
Em 2005, vindo da área da seguridade social para a do meio ambiente, me surpreendi com o nosso (do SUS) silêncio ante outro massacre, sobretudo nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador etc.: a mortalidade e morbidade causadas pela poluição do ar.
Aquela "poluição de chaminé" que caracterizou os primeiros anos de preocupação ambiental está relativamente equacionada. A poluição nas grandes cidades hoje é causada pelas emissões veiculares.
Aqui na região metropolitana de São Paulo, temos diagnóstico preciso da Faculdade de Medicina da USP que indica que perdemos 1,5 ano de vida devido a essas emissões. Crianças e idosos, com sistema imunológico mais frágil, perdem até três anos.
Quem paga por isso? O SUS, que tenta salvar essas vidas ou diminuir o sofrimento dos doentes. É claro que há ainda o prejuízo das pessoas e famílias, que não tem preço.
Muitas são as medidas necessárias para enfrentar o problema. Não existe, no entanto, remédio único e heróico. Fazer inspeção veicular, como iniciamos em 2008 em São Paulo, é dos mais importantes, capaz de neutralizar 30% desse impacto na saúde. Oferecer transporte coletivo de qualidade e em quantidade, apoiar uso de bicicletas, humanizar calçadas, restringir uso excessivo de veículos particulares, expandir o transporte público com combustíveis mais limpos, como elétricos sobre trilhos e trólebus.
Há, porém, uma medida inadiável: oferecer combustível, mesmo que fóssil, mais limpo. Nesse ponto, descobrimos em 2005 que havia uma resolução do Conama (315/02) dormindo em berço esplêndido em Brasília.
Ela determina, desde 2002, que em janeiro de 2009 será fornecido diesel mais limpo para consumo dos veículos no Brasil. Nosso diesel tem 2.000 ou 500 partículas de enxofre por milhão (ppm). Na Europa, o índice é de 15 ou mesmo 10 ppm. Essa substância tem grande importância nas emissões do diesel de material particulado e NOx, que são dois dos itens mais nocivos na poluição do ar veicular.
Em 2005, fomos ao Rio falar com a Petrobras. Pergunta: como será a programação para cumprir a resolução de 2002? Resposta: silêncio.
Em 2006, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo editou por precaução a portaria 46/06, dizendo, em síntese, que, em São Paulo, a resolução 315/02 seria cobrada.
Em 2007, o assunto ganhou mais visibilidade, porque governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio, com movimentos e entidades sociais, começaram a cobrar também a aplicação da resolução.
Foi nesse momento que os responsáveis pela sua observância vieram a publico (Agência Nacional do Petróleo, Petrobras e Anfavea) e revelaram candidamente que não tinham tomado as providências previstas desde 2002 e, naquele momento, em 2007, não havia mais tempo de cumprir o recomendado para janeiro de 2009! Como classificar uma omissão desse porte com a saúde pública?
Em 2008, a Secretaria do Verde, cumprindo sua portaria 46/06, emitiu intimações para os envolvidos, avisando que em São Paulo a resolução estaria valendo em 1º/1/09.
Ainda em 2008, o atual ministro do Meio Ambiente começou articulação em Brasília para tentar equacionar o problema. Tivemos novo encontro em 26/8/08, em que ficou acertado:
- o MPF deve cobrar o cumprimento da resolução 315/02;
- os devedores devem começar desde já a discutir com Conama e Ministério Público compensações para termo de ajustamento de conduta que diminua o prejuízo causado à saúde;
- um plano de qualidade do ar deve ser discutido para que ações como inspeção veicular, que São Paulo e Rio iniciaram, se estenda para todo o país.
Agora que a consciência da gravidade do problema emergiu, espera-se que governantes e indústria cumpram sua parte e a sociedade ajude com cobrança das resoluções e mudanças culturais necessárias para diminuir a poluição do ar das grandes cidades.


EDUARDO JORGE MARTINS ALVES SOBRINHO , 58, médico sanitarista, é secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. Foi secretário municipal de Saúde de São Paulo nas gestões Luiza Erundina e Marta Suplicy.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
André Singer: Linha de impasse

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.