São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2010

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Castro em seu aquário

Com surpreendentes lances de autocrítica, o líder parece ter o objetivo de manter sob controle o processo de abertura econômica em Cuba

Poderia fazer parte de algum romance do realismo fantástico latino-americano o relato que o jornalista Jeffrey Goldberg publicou, no site da revista "The Atlantic", sobre seu encontro com Fidel Castro.
Aos 84 anos, o alquebrado líder cubano não perdeu a capacidade de atrair as atenções mundiais, mesmo depois de ter entregue a seu irmão Raúl o comando político do governo.
Sua entrevista com o repórter americano veio cercada de circunstâncias insólitas. Um show de golfinhos foi providenciado especialmente -era dia de folga dos funcionários no aquário de Havana- para deleite da visita ilustre.
"Faça perguntas a ele sobre os golfinhos", disse Castro ao jornalista, apresentando-lhe o diretor do aquário. Logo depois, mudou de ideia. "Na verdade ele não entende nada de golfinhos; é um físico nuclear".
Por que um físico estaria trabalhando ali? "Assim o impedimos de construir bombas atômicas", respondeu Castro num acesso de riso. Chamou então uma veterinária, capaz de dar informações mais precisas sobre os cetáceos; era a filha de Che Guevara.
Foi, sem dúvida, o momento mais surreal de três dias de encontro entre Fidel e o jornalista; não foi, porém, o mais surpreendente.
O velho ditador tomou a iniciativa de condenar o antissemitismo do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, notório candidato a sucedê-lo no posto de símbolo máximo do antiamericanismo global. As declarações que deu sobre o tema, diga-se de passagem, poderiam ser lidas com proveito por seus admiradores no Brasil.
Fidel Castro prosseguiu penitenciando-se de suas atitudes durante a crise dos mísseis, em 1962. Na época, sugerira aos soviéticos que desfechassem um ataque nuclear contra os EUA. "Sabendo do que sei agora", disse Fidel, "isso não teria valido a pena".
A verdadeira bomba, entretanto, viria depois. Perguntado se o modelo cubano ainda deveria ser exportado a outros países, "el comandante" respondeu: "nem para nós o modelo funciona mais".
Fosse para imitar o humor bizarro de alguns escritores latino-americanos, seria o caso de dizer que enquanto os golfinhos davam suas piruetas no aquário de Havana, com velocidade ainda mais vertiginosa Che Guevara haveria de estar revirando-se na tumba. E, como diz uma antiga "boutade", o próprio Fidel Castro teria se revirado também -não fosse o fato de estar vivo.
Vivíssimo, aliás. Menos do que a um natural abrandamento da têmpera na idade avançada, pode-se atribuir a atitude de Castro ao interesse em manter a estrutura de poder implantada em Cuba.
O exemplo da China ilustra a possibilidade de se preservar uma ditadura de partido único num sistema de capitalismo de Estado. As mensagens de Fidel visam a facilitar, sem dúvida, a retomada dos investimentos americanos em Cuba -e a evitar que a condução do processo de abertura na ilha fuja do controle do castrismo.
Como o aquário de Havana, a economia e a política abrirão (parece dizer Fidel) no dia em que julgarmos conveniente.


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