São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Carta aberta a Jorge Semprún
FREI BETTO
Hoje Cuba apresenta, segundo o Bird, os melhores índices sociais entre os países da América Latina, sobretudo em matéria de educação e saúde. O analfabetismo atinge apenas 0,2% dos cubanos, quase todos pessoas de idade avançada. No ensino fundamental, há um professor para cada 20 alunos, que é o limite máximo de estudantes em sala de aula. A mortalidade infantil é de 6,5 em cada 1.000 nascidos vivos, no primeiro ano de vida, enquanto nos EUA é de 9 por 1.000. Agora, sem nenhum apoio externo, Cuba enfrenta toda sorte de dificuldades para assegurar dignidade a 11 milhões de habitantes. Qual país da América Latina pode colocar esse cartaz que Havana exibe àqueles que chegam pela porta do aeroporto: "Nesta noite, milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana". Semprún, nós, brasileiros, abominamos a pena de morte, embora ela exista em nosso meio de uma forma que o governo Lula se empenha em combater: a fome, o desemprego, a violência urbana e rural etc. Todas as vezes que o governo cubano decidiu aplicá-la, manifestamos a ele o nosso descontentamento. Eu mesmo entreguei a Fidel, em companhia dos escritores Antonio Callado e Fernando Morais, um manifesto, encabeçado pelo cardeal Paulo Evaristo Arns, expressando nossa posição contrária à pena de morte, por ocasião da sentença ao general Ochoa. É, no mínimo, leviano acusar o presidente Lula de omissão quando se trata de direitos humanos. Que outro país do mundo se empenha tanto, como o Brasil de hoje, para erradicar a fome em nosso planeta? Você conhece muitos artistas e intelectuais que lutam em prol da erradicação da Aids. E merecem aplausos. Hoje, o HIV infecta 40 milhões de pessoas no mundo. Mas quantos lutam contra a fome -que, segundo a FAO, ameaça 840 milhões de pessoas? A fome mata 20 vezes mais do que a Aids e, no entanto, nós, os bem nutridos, sabemos que a Aids não faz distinção de classe. Por isso ela nos mobiliza. A fome não; só atinge os miseráveis. Por isso tão pouco nos empenhamos em combatê-la. Em sua recente viagem a Cuba, o presidente Lula teve o cuidado de ouvir diferentes setores da sociedade. Recebeu o cardeal Jaime Ortega e o monsenhor Carlos Manuel de Céspedes, de quem obteve informações sobre a situação de presos políticos. Esteve também com a mãe do brasileiro Paulo Hilel, preso em Cuba sob acusação de tráfico de pessoas. Essas conversações versaram sobre direitos humanos. Lula e Fidel são amigos. E entre amigos tudo se diz, sem que haja necessidade de transformar a crítica em denúncia e, assim, submeter-se à vergonha de merecer aplausos daqueles que gostariam de ver Cuba, de novo, como o bordel do Caribe, território livre dos mafiosos, condenada a perder as inestimáveis conquistas da revolução. Mas posso revelar que Lula tratou, sim, da questão dos direitos humanos; inclusive da situação dos prisioneiros. Dois presidentes têm o direito de abordar temas que não precisam, necessariamente, chegar ao conhecimento da mídia. A menos que eles decidam torná-los públicos. Direitos humanos significam, sobretudo, garantir a toda uma nação condições dignas de alimentação, saúde e educação. O dom maior de Deus é a vida. E Cuba pode se orgulhar de assegurar vida através desses três direitos básicos a toda a sua população -o que não é o caso dos demais países da América Latina. Se queremos mais liberdade em Cuba, que Cuba seja, primeiro, libertada do bloqueio imposto pelo governo dos EUA. E fique livre também de tantos que ainda acreditam que democracia se conquista através de sabotagens, sequestros e ações terroristas. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 59, frade dominicano, escritor, é assessor especial da Presidência da República e coordenador do setor de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Daniel Lagni: A igreja e as missões do século 21 Índice |
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