São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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AS LIÇÕES DO VIOXX

Ensina algumas lições a retirada do mercado do antiinflamatório Vioxx, da Merck & Co., depois de comprovada a correlação entre o uso crônico do medicamento e o maior risco de ataques cardíacos e derrames. A primeira e mais amarga delas é que o marketing freqüentemente triunfa sobre a boa medicina.
Prescrições de novas drogas precisam ser feitas com cautela e parcimônia, pois, por razões óbvias, são desconhecidos os efeitos de longo prazo. O que se viu no caso do Vioxx, contudo, foi exatamente o inverso.
Aprovado para o mercado pela FDA (vigilância sanitária dos EUA) em 1999, o medicamento rapidamente se tornou um campeão de vendas. Sua vantagem sobre antiinflamatórios não-esteróides tradicionais é o reduzido risco de úlceras e sangramentos digestivos. A Merck investiu pesadamente em marketing, chegando até a fazer propaganda direta para o consumidor americano, o que raramente acontece em caso de medicamentos que exigem prescrição médica. No ano passado, o Vioxx atingiu a impressionante marca de US$ 2,5 bilhões em vendas.
Tudo poderia ser considerado uma fatalidade se não houvesse, pelo menos desde 2000, indícios de problemas com o Vioxx. Naquele ano, um trabalho financiado pela própria Merck mostrava que o risco de pacientes que tomavam o medicamento de sofrer ataques cardíacos e derrames era quatro vezes maior do que o do grupo controle, que usava naproxeno (Naprosyn, Flanax), um antiinflamatório tradicional. Segundo os pesquisadores pagos pela Merck, era provável que o fenômeno se devesse a uma ação protetora do naproxeno sobre o sistema circulatório.
Em 2002, dois estudos demonstraram que o naproxeno não possuía essa virtude protetora. Em 2003, outro trabalho apontou para o aumento do risco cardiovascular de usuários de Vioxx, mas a Merck contestou seus resultados.
Em agosto deste ano, um estudo da ONG Kaiser Permanente mostrou que pacientes que tomavam doses de Vioxx superiores a 25 mg/dia tinham risco três vezes maior de sofrer infarto e derrame. De novo, a Merck menosprezou os achados.
Na semana passada, veio o golpe fatal, quando um estudo de três anos que tinha por objetivo mostrar que o Vioxx era capaz de prevenir o surgimento de pólipos intestinais constatou contra um grupo que tomava placebo que a droga elevava a chance de doenças vasculares, o que levou a Merck a recolher o produto.
Como é natural, as suspeitas recaem agora sobre outras drogas da classe do Vioxx, os inibidores da cicloxigenase-2, uma enzima envolvida em processos inflamatórios. Autoridades e periódicos médicos de várias partes do mundo pedem que se avalie a segurança de outros medicamentos populares, como celecoxib, comercializado no Brasil com o nome de Celebra, pela Pfizer.
A ascensão e a queda do Vioxx demonstram que os controles sobre a segurança de novos medicamentos são insuficientes, sobretudo quando se considera que a maior parte dos estudos são financiados pelos laboratório que os comercializam. O caso Vioxx reforça a necessidade de que se crie um amplo banco de dados público em que todos os ensaios clínicos relativos a drogas sejam registrados e tenham seus resultados divulgados, sejam eles favoráveis ou contrários ao produto. Isso talvez não baste para evitar a repetição de problemas análogos, mas certamente ajudaria a detectá-los mais rapidamente.


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