São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Quem paga o pacto

RIO DE JANEIRO - Acompanho com interesse o pacto proposto pelo presidente eleito, unindo partidos, empresários, povo e assemelhados num mutirão contra a fome e outros pontos críticos da realidade nacional.
Faço votos para que tudo dê certo, mas, sinceramente, sinto um cheiro de assistencialismo, de montepio (monte piedoso) nas propostas que estão sendo lançadas. No auge da Idade Média, com a selvageria do sistema feudal, a alternativa para combater a fome era a caridade cristã, os pães que se transformavam em rosas no avental da rainha e santa Isabel, proibida pelo seu senhor de dar de comer aos famintos.
Sem uma clara prioridade para a produção e a distribuição dos alimentos, de nada adiantarão cupons ou sorteios. E além da produção e da distribuição (são toneladas de alimentos que apodrecem mensalmente por falta de escoamento racional e orgânico), é preciso que haja algum dinheiro no bolso do consumidor faminto, e não um vale-refeição que mais cedo ou mais tarde o Estado não poderá bancar ou, provavelmente, bancará errado, na base da tradicional corrupção que acompanha a espécie humana.
Lula observou que, nos restaurantes que frequenta, vê desperdício, bifes pela metade que serão jogados no lixo caso não se transformem em croquetes ou picadinho de carne.
É uma verdade. Como verdadeira é a má distribuição de renda no Brasil, uma das mais indecentes do mundo. Temos uma sociedade de abundância, que come até sem fome. São uns 20 milhões ou 25 milhões de pessoas. Outros milhões comem razoavelmente, mas outros tantos acordam cada manhã sem saber o que poderão comer naquele dia.
A metade do bife que Lula viu jogada no lixo é que nem aquele brioche que Maria Antonieta sugeriu ao povo que reclamava não ter pão para comer.



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