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BORIS FAUSTO
Choque cultural
As migrações em larga escala,
sobretudo de muçulmanos para a
Europa ocidental, têm gerado conflitos reveladores de um choque cultural
que se concentra em atitudes, em gestos, no uso de vestimentas e em tos
outros traços da vida cotidiana.
O caso recente de Adel Smith, que,
na Itália, exigiu fosse retirado o crucifixo das salas de aula da escola onde
estudam seus filhos não serve, entretanto, como exemplo generalizador.
Mas, em sua ousadia radical, contraproducente para a comunidade muçulmana, é um signo de inquietação.
Recordando, uma decisão judicial favorável a Smith provocou a revolta
das mães, impedindo que o crucifixo
fosse removido da escola, protestos
em todo o país, e até o Papa condenou
solenemente a decisão.
Smith é uma figura agressiva e, no
mínimo, controvertida. Nascido no
Egito, de pai italiano com origem longinquamente escocesa, e mãe egípcia,
convertido ao Islã em meados dos
anos 80, vem realizando há muito
tempo campanhas contra a religião
católica. Em época mais recente, provocou alarme, ao defender, num show
televisivo, Bin Laden e os atentados do
11 de Setembro.
Mas, para que não se diga que a polêmica por ele levantada é insólita, recordo as sessões da Assembléia Legislativa de São Paulo, a que assisti das
galerias, em 1947, quando se discutiu,
ardorosamente, se cabia colocar uma
imagem de Cristo no recinto da Casa.
A oposição, aliás derrotada, não vinha
de uma tendência religiosa, mas da
nutrida bancada comunista, formada
por alguns nomes ilustres, entre eles
Caio Prado Jr.
Essa é uma história curiosa, mas excepcional, no Brasil. Aqui, no caso dos
imigrantes, o choque cultural foi historicamente muito menor, o que não
quer dizer que não tenham existido
grupos estrangeiros dispostos a garantir sua autonomia no meio brasileiro, nem violências governamentais
contra eles. Basta lembrar o caso das
colônias alemãs do sul do país, durante a década de 30, e as medidas tomadas contra os chamados súditos do Eixo, no curso da Segunda Guerra Mundial.
Mas o quadro geral do processo migratório aponta para um amplo entendimento, que não se deve apenas à
propalada índole generosa do povo
brasileiro. No contexto dos últimos
anos do século 19 e das primeiras décadas do século 20, a imigração em
massa foi encarada como um fenômeno benéfico, na medida em que os
imigrantes foram considerados elementos civilizatórios e úteis ao progresso nacional.
Eles, por sua vez, aqui chegaram
com a disposição de ficar, fugindo às
misérias (quem diria?) da velha Europa ou da Ásia. Certamente houve diferenças: os japoneses representaram a
etnia que mais sonhou em regressar
ao Japão e que quase nunca realizou
esse objetivo; os judeus jamais pensaram nisso, pois não havia pátria para
onde retornar, e, a partir da década de
30, surgiram os massacres nazistas.
A história da imigração no Brasil,
descartadas as idealizações, é assim
uma rara história de final feliz. Mesmo
porque dela não resultou a assimilação, mas uma integração muito positiva de diferentes culturas.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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