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CARLOS HEITOR CONY
Guerra geral
RIO DE JANEIRO - O século 21 mal está começando e já podemos prever o
que nos espera, ou melhor, o que espera a vós outros, a humanidade toda, nela não mais me incluindo
-atingi o prazo de validade e, mais
dia menos dia, serei retirado das prateleiras e jogado no lixo.
Se no século 20 tivemos duas guerras mundiais e uma centena de conflitos setorizados, no atual entramos
numa guerra que pode não ser grande como as anteriores, mas é geral.
Numa grande guerra, há o campo
amigo e o campo inimigo. Há inclusive uma terra de ninguém. Os adversários estão fixados em zonas e linhas
de tiro, sabemos onde estão a vanguarda e a retaguarda. Em certo sentido, uma grande guerra, como a de
1914 ou a de 1939, apesar de sua ferocidade, é organizada como um desfile
de escola de samba, com estandartes,
hinos e, evidentemente, vencedores e
vencidos.
Na guerra geral, tudo é misturado,
não há linhas de frente nem terras de
ninguém. O inimigo não está além
daquela cota topográfica, entrincheirado naquela colina ou ocupando
aquela cabeça de ponte.
Ele está entre nós. Cruzamos com
ele nas ruas, nas praças, a qualquer
momento ficamos na linha de tiro,
embora continuemos dentro de nossas casas.
Os tumultos de Paris, que se alastram pela Europa inteira, são momentos desta guerra geral que nós já
conhecemos de sobra. Os inimigos de
lá foram chamados de "escória das
periferias", mas são franceses há três
gerações, embora de etnias diversas.
Por ora, limitam-se a atos de vandalismo, mas prometem mais e pior.
Nossa guerra geral é mais antiga e,
para falar a verdade, mais geral mesmo. Uma cidade como o Rio nem tem
periferia, tudo se mistura no complexo urbano. E não há problema com
etnias: há ricos e pobres, pobres e miseráveis e, potencialmente, a guerra
nem precisa ser declarada para ser
realmente geral.
Na França, o toque de recolher adotado nesta semana pelo governo de lá
pode isolar ou acabar com a violência. Aqui, nem isso.
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