São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Guerra geral

RIO DE JANEIRO - O século 21 mal está começando e já podemos prever o que nos espera, ou melhor, o que espera a vós outros, a humanidade toda, nela não mais me incluindo -atingi o prazo de validade e, mais dia menos dia, serei retirado das prateleiras e jogado no lixo.
Se no século 20 tivemos duas guerras mundiais e uma centena de conflitos setorizados, no atual entramos numa guerra que pode não ser grande como as anteriores, mas é geral. Numa grande guerra, há o campo amigo e o campo inimigo. Há inclusive uma terra de ninguém. Os adversários estão fixados em zonas e linhas de tiro, sabemos onde estão a vanguarda e a retaguarda. Em certo sentido, uma grande guerra, como a de 1914 ou a de 1939, apesar de sua ferocidade, é organizada como um desfile de escola de samba, com estandartes, hinos e, evidentemente, vencedores e vencidos.
Na guerra geral, tudo é misturado, não há linhas de frente nem terras de ninguém. O inimigo não está além daquela cota topográfica, entrincheirado naquela colina ou ocupando aquela cabeça de ponte.
Ele está entre nós. Cruzamos com ele nas ruas, nas praças, a qualquer momento ficamos na linha de tiro, embora continuemos dentro de nossas casas.
Os tumultos de Paris, que se alastram pela Europa inteira, são momentos desta guerra geral que nós já conhecemos de sobra. Os inimigos de lá foram chamados de "escória das periferias", mas são franceses há três gerações, embora de etnias diversas. Por ora, limitam-se a atos de vandalismo, mas prometem mais e pior.
Nossa guerra geral é mais antiga e, para falar a verdade, mais geral mesmo. Uma cidade como o Rio nem tem periferia, tudo se mistura no complexo urbano. E não há problema com etnias: há ricos e pobres, pobres e miseráveis e, potencialmente, a guerra nem precisa ser declarada para ser realmente geral.
Na França, o toque de recolher adotado nesta semana pelo governo de lá pode isolar ou acabar com a violência. Aqui, nem isso.


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